Em 2012, o partido político Democratas (DEM) ajuizou a ADPF 186, com o objetivo de provar inconstitucionalidade no sistema de cotas adotado pela UnB (Universidade de Brasília), alegando a violação dos direitos de igualdade e de não-discriminação, dizendo que o sistema somente faria do Brasil um “Estado racializado”.
Cabe aqui uma reflexão sobre a necessidade de ações afirmativas em nosso país, que mesmo após anos da abolição da escravatura, ainda sofre com as feridas incuráveis desse período. É visível que o acesso não só à educação superior, como à educação básica para pessoas pretas, pardas e indígenas foi dificultado por obstáculos estruturais, históricos e econômicos. As cotas raciais são uma medida de reparação e de garantia de direitos para essa população, vítima de séculos de discriminação e violência institucional.
O ajuizamento da ADPF causou a manifestação de diversos órgãos de defesa e proteção dos direitos ligados às pessoas pretas, pardas e indígenas, mostrando-se contra a ação, e neste sentido, ocupando o espaço de grupo conflitante com o partido responsável pelo processo.
Segundo a teoria do espaço dos possíveis de Pierre Bourdieu, há o embate entre dois campos simbólicos, o movimento negro que busca manter a validação jurídica das cotas raciais, e o campo político de direita, que acredita não ser possível haver dentro do campo do Direito a legitimação de uma ação afirmativa baseada em critérios étnicos-raciais. Para o autor, o Direito deve evitar o instrumentalismo, portanto, não deve estar à serviço da classe dominante, neste caso, pessoas brancas, com poder político e econômico, que tentam mascarar seu racismo com a ideia de “segregação do Brasil” ou com o famigerado “racismo reverso”.
Por unanimidade, o arguimento é julgado improcedente. A existência das cotas é uma ótima demonstração do Direito como antecipação, pois caracteriza uma forma de reparar um sistema que levou uma parte das pessoas pretas, pardas e indígenas à pobreza, sem acesso à educação, assim possibilitando que o acesso às universidades equipare os níveis tão desiguais que prevalecem no Brasil.
Atualmente, já é possível observar que a justiça caminhou em pequenos passos neste sentido. De acordo com dados que dizem que, nos últimos 17 anos, o número de pessoas dessa minoria que ingressaram em uma universidade quadruplicou.¹ Portanto, o ativismo judicial se fez indispensável, já que em um país que continua tão racista, seria praticamente impossível garantir esses direitos sem a intervenção jurídica.
Para McCann, com a mobilização do Direito, é viável a transferência do foco dos tribunais para o sujeito em questão. Sendo assim, a participação do movimento negro mobilizando a atenção dos magistrados, em prol da compensação pela dívida histórica do Brasil com o povo pertencente a essa minoria, se tornasse tão adequada.
Por fim, demonstram também uma superação da monocultura do saber, que ao dizer que cotas raciais seriam o mesmo que segregação e discriminação, sendo esse saber ultrapassado e desigual, a não-aceitação da ação quebra com esse pensamento.
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