Em 2004, o partido Democratas entrou com uma ação junto ao Supremo Tribunal Federal na ADPF nº 186/DF questionando se a Universidade de Brasília, ao adotar dois sistemas de ingresso em seus cursos, sendo um deles o sistema de cotas com critérios socioeconômicos e étnico raciais, estaria utilizando critérios em concordância com o que é estabelecido na Constituição Federal de 1988. Mas ao final do julgamento, o STF decidiu pela constitucionalidade da política de cotas, o que contribuiu para a elaboração da Lei nº 12.711/2012, também conhecida como Lei das Cotas.
Com base nisso, o tema contém uma relação com o “espaço dos possíveis” apontado por Bourdieu. Uma vez que, a adoção do sistema de cotas provocou diversos debates dentro do campo jurídico. Quando o partido DEM tenta usar argumentos de que tal política estaria em discordância com o texto constitucional, alegando um possível “racismo estatal”, mas a Instituição reafirma que as cotas raciais estariam assegurando a dignidade humana prevista no artigo 1º da Constituição, justificando que “não é possível ignorar, face à análise de abundantes dados estatísticos, que cidadãos brasileiros de cor negra partem, em sua imensa maioria, de condições socioeconômicas muito desfavoráveis comparativamente aos de cor branca” (fl. 643). A partir disso, fica perceptível que houve um conflito de espaços dentro do campo jurídico.
Outrossim, o Direito, através da adoção da Lei de Cotas, ampliou o espaço dos possíveis desse grupo, promovendo uma resposta às atuais demandas sociais, de modo a qual compete a historização da norma, na medida em que age de acordo com as urgências do momento histórico atual.
Ademais, cabe relacionar a ADPF com o papel do Judiciário, apresentado por Garapon. Visto que, mesmo com a ação instituída pelo Democratas, ao final do julgamento foi decidido validar as políticas de ações afirmativas, no sentido de possibilitar a inclusão de grupos minoritários em um espaço de ensino superior público, a partir de cotas e reservas de vagas. Assim, afirmando a ideia de Garapon, de que “Chama-se a justiça no intuito de apaziguar o molestar do indivíduo sofredor moderno”. Dessa forma, ocorre a “mobilização do direito”, reconhecida por McCann, da parte dos grupos étnico raciais que se mobilizaram para que seus direitos sejam garantidos, a partir da Lei de Cotas, para que esses possam ter acesso à educação de qualidade.
Por fim, baseando-se na ideia de Sara Araújo, de que a epistemologia do Norte impõe culturas para o mundo todo. A existência do hemisfério Sul é esquecida, assim tudo que acontece do “outro lado da linha”, não existe, é invisível, dessa forma, a cultura que sai do Sul espalha-se no Norte, criando então, uma monocultura dos saberes, já que a mesma considera-se como a única existente. E é a partir disso, que surge a ecologia dos saberes, que aplica-se na justiça, a qual visa atingir a pluralidade de saberes, para que a justiça seja ampla e inclusiva para as outras vozes e para os direitos subalternos que são silenciados pela sociedade civil. Assim, com as políticas de ações afirmativas, que asseguram o direito à cotas, a ecologia do saber foi denotada na justiça.
Conclui-se então, que julgados como esse da ADPF 186, são de extrema importância para as lutas étnicos raciais, garantindo que esses tenham os seus direitos assegurados, e também de extrema importância para a retificação da sociedade fazendo com que a desigualdade estrutural seja diminuída.
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