No ano de 2009, frente ao STF, o partido Democratas (DEM),
ajuizou uma ação questionando a Universidade de Brasília sobre seu sistema de
cotas raciais, este que destinava 20% das vagas do vestibular para pessoas pretas
e 20 vagas para estudantes indígenas. O partido, em sua fundamentação, alegou a
inconstitucionalidade dos atos administrativos do Conselho de Ensino, Pesquisa
e Extensão da Universidade de Brasília, afirmando que esses atos
violariam tais fundamentos constitucionais:
a)
princípio da dignidade da pessoa humana;
b)
repúdio ao racismo;
c)
princípio da igualdade;
d)
direito universal à educação;
e)
meritocracia.
Por unanimidade do STF, o pedido feito pelo partido foi
julgado improcedente, para melhor elucidação dos argumentos citarei parte do
discurso do ex ministro Joaquim Barbosa “não se deve perder de vista o fato de
que a história universal não registra, na era contemporânea, nenhum exemplo de
nação que tenha se erguido de uma condição periférica à condição de potência
econômica e política, digna de respeito na cena política internacional,
mantendo, no plano doméstico, uma política de exclusão em relação a uma parcela
expressiva da sua população”. Assentou que existe “no Direito Comparado, vários
casos de medidas de ações afirmativas desenhadas pelo Poder Judiciário em casos
em que a discriminação é tão flagrante e a exclusão é tão absoluta, que o
Judiciário não teve outra alternativa senão, ele próprio, determinar e desenhar
medidas de ação afirmativa, como ocorreu, por exemplo, nos Estados Unidos,
especialmente em alguns estados do sul”.
Os demais ministros fundamentaram resumidamente que cabe
sim ao Estado entender e enfrentar desigualdades materiais, assegurando que as
cotas raciais são compatíveis com a Constituição Federal pois preservam a
proporcionalidade e a função social da universidade.
Á vista do primeiro pensador discutido, a ação do partido
caracteriza um retrocesso, um passo pra trás do que Pierre Bordieu designa como
espaço dos possíveis. O que a Universidade de Brasília efetivava não era um
favor ou um privilégio as pessoas pretas, mas uma iniciativa de equiparação
devido todo histórico que a escravidão e o preconceito ainda presentes
conduziram. Dessa forma, o espaço dos possíveis foi diminuído, questionado, e
por meio do protagonismo judicial foi preservado.
Protagonismo esse muito salientado pelo segundo pensador,
Antoine Garapon, que evidenciava de forma natural um maior fortalecimento do
poder judiciário, contemplando o texto constitucional de maneira mais ampla. Papel
esse que antes era feito pelo legislativo por meio de leis ordinárias, mas
devida a lentidão do mesmo para alcançar resultados efetivos e atender as demandas
sociais, coube ao judiciário. De forma
alguma, e como infelizmente acreditam muitos, essa e outras decisões do
judiciário representam um possível risco a legitimidade democrática. O que
estamos vendo é justamente o oposto, o judiciário segue fazendo o que a própria
Constituição federal o delimitou a fazer, é realmente uma consequência de nosso
ordenamento, não uma prática puramente política. Como sustenta Garapon, cabe ao
judiciário dar perceber as expressões vagas do ordenamento e dar a elas
sentido, pois, incutir a ele somente uma tarefa de decisão o torna meramente
mecânico.
A mobilização do direito, nesse caso, foi fruto
das longas e intensas batalhas de um grupo excluído e oprimido por séculos. Quando,
depois de muito tempo, esse grupo recebe ações publicas que são suas por
direito, isso incomoda a classe opressora, que estava confortável com a
igualdade formal. Essa decisão não
foi gerada simplesmente por ideias deliberadas do magistrado, nem somente pelas
lutas sociais dos grupos, foi sem dúvida um exemplo concreto da mobilização do
direito, onde os tribunais representaram apenas um dos agentes significativos
na batalha pelo progresso democrático.
Politicas publicas como a de
cotas, buscam diminuir a linha abissal que ainda perdura na sociedade contemporânea.
A segregação, o entendimento de que, como expõe Sara Araújo “o outro não é só
selvagem, é atrasado, primitivo, arcaico” e por isso não devem se misturar,
propagam e reforçam essa separação entre raças ainda presente no nosso país com
a falsa retórica de que a mera igualdade formal basta. O branco, nessa
narrativa racista, é e sempre foi para quem o direito serve. Dessa forma, muitas
vezes preservam e garantem apenas direitos que estão presentes na realidade branca,
como se fosse a realidade vivida por todos os cidadãos. Conclui-se, assim, como
importante e adequada a decisão do STF, buscando enxergar todo o contexto e
objetivo das cotas raciais para a realidade brasileira.
Vinicius Alves do Nascimento
Direito Matutino
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