A ADPF 54 como Fato Jurídico Histórico
A ADPF 54 (Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental de número 54) foi um marco
legal das garantias fundamentais da mulher, aprovada em 2012, por 8 votos a favor
e 2 contra, ficou-se permitido a interrupção terapêutica da gestação no caso de
feto anencéfalo. Antes ficava a cargo da interpretação do juiz do caso
autorizar ou não o aborto nesses casos. Havendo, portanto, situações em que o juiz
decidia para que a mulher completasse a gravidez e gerasse o natimorto. Nesse
julgado estabeleceu-se um conflito de posições divergentes, em que de um lado
profissionais da saúde e cientistas se posicionaram a favor da interrupção da
gravidez em casos de anecefália dos fetos e de outro lado movimentos
conservadores e religiosos foram contra.
A luz do
pensamento do sociólogo Pierre Bourdieu (1930-2002), esse episódio pode ser
interpretado como que o contexto social do momento da votação da ADPF 54 (ano
de 2012) permitiu que não se caracteriza-se crime a interrupção terapêutica da
gravidez em caso de fetos anencéfalo, como é o aborto no Código Penal de 1940 e
vigente até o hoje. Ou seja, dentro do que Bourdieu caracteriza como “Espaço dos
possíveis”, onde a hermenêutica possibilitou uma interpretação jurídica a favor
da dignidade das mulheres e de acordo com a ciência que permitiu comprovar que
fetos anecéfalos não sobrevivem, rompendo com o com o que ele chama de “Poder
Simbólico” exercido por grupos conservadores que são simplesmente contra
qualquer forma de interrupção da gravidez.
Nessa mesma
linha, Bourdieu acredita que os operadores do direito estão sujeitos à lógica
positiva da ciência, somada à lógica normativa da moral. Ao mesmo tempo que
deve haver a “Neutralização” no exercício dos mesmos, ou seja, a norma jurídica
deve apresentar impessoalidade aos seus destinatários. O que ficou evidente com
a ADPF 54, no qual os defensores da causa usaram a ciência naturais como
argumento e a dignidade humana das mulheres que enfrentam a situação de
gestarem fetos anencéfalos, bem como sua saúde física e psíquica. Outro termo
usado por Bourdieu é a “Universalização”, que também se adéqua à esse julgado,
pois através da consulta há cientistas ficou provado que não há como gerar vida
no caso de anencefalia e o direito positivado com a ciência e com essa demanda
social tornou possível essa decisão favorável às vitimas desse tipo de gestação
patológica e tornar esse fato uma norma jurídica.
Por fim, a
ADPF 54 se tornou um fato histórico, um acontecimento em que há duas ou três décadas anteriores à votação (2012) não teria acontecido,
ou até mesmo nos dias de hoje, uma década depois, em que existe uma reação de
grupos conservadores pelo mundo todo e isso inclui o status atual do Brasil.
Essa ADPF foi um avanço social com relação aos direitos das mulheres, o que
Bourdieu denomina de “Historicização da Norma”, pois adaptou as fontes do
direito até então existentes à uma circunstância totalmente nova.
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