O filósofo francês Pierre Bourdieu acrescentou grandemente a área jurídica, abordando o espaço social como multidimensional no qual há diversos campos sociais parcialmente autônomos, de modo que interseccionam entre si em prol da vida em uma comunidade funcional. Além disso, o mesmo expressa que o indivíduo está condicionado ao seu habitus - seria uma matriz cultural que preordena o sujeito a determinadas escolhas e comportamentos, influenciado pela condição de classe e também pelos diversos campos sociais que o homem compõe ao decorrer de suas vivências, este conceito é denominado pelo pensador como “espaço dos possíveis".
Ao analisar a ADPF 54 (que tem como objeto o aborto em caso de feto anencéfalo) a partir da perspectiva de Bourdieu, é visível o conflito entre dois discursos de espaço dos possíveis, a vertente mais conservadora e religiosa, que enxerga o ato de interrupção da gravidez de forma criminalizada, defendendo que o feto é uma vida em potencial; do outro lado está uma ótica mais liberal e cientifica em favor da dignidade e liberdade sexual e reprodutiva da mulher, assumindo que é possível realizar o procedimento qualificando como “antecipação da gravidez terapêutica do caso”, levando em conta a baixíssima estimativa de sobrevivência, o feto é considerado natimorto.
O STF decidiu por votação, 8 votos a favor e 2 contra, a legalização do aborto neste caso, evitando maiores complicações e infortúnios, preservando não apenas a saúde física mas também a saúde psíquica da mulher que estaria levando uma gestação na qual não existirá vida. Por conseguinte, é visto a forma em que a sociedade, ainda que tenha preceitos tradicionalistas, vem evoluindo de maneira positiva e possibilitando a ampliação do espaço dos possíveis, comprovando o pensamento de Bourdieu de que a dinâmica do direito busca a "lógica positiva da ciência" mais a "lógica normativa da moral”. Desse modo, o direito impõe universalmente por uma precisão conjunta de lógica e ética.
Maria Eduarda da Cruz Cardoso
1º Direito - Matutino
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