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domingo, 28 de agosto de 2022

Uma pequena vitória para a luta das mulheres no Brasil: uma análise sob a visão da sociologia jurídica de Pierre Bourdieu

 A arguição de descumprimento de preceito fundamental (ou ADPF), é uma diligência apresentada pelo Supremo Tribunal Federal, a fim de impedir lesão a um preceito fundamental, pleiteado pelo Poder Público. Em 2012, discutiu-se a ADPF de número 54, tratando da inconstitucionalidade em considerar a interrupção da gravidez em casos de feto anencéfalo como conduta-crime prevista pelo Código Penal. 

O acórdão tomou como base diversos princípios expressos na Constituição Federal. Em especial, há de ser destacado o início de seu texto, invocando a laicidade do Estado, o que já indica um campo dentro do espaço social que possivelmente seria um agente conflituoso com o teor da decisão. 

Pierre Bourdieu em sua teoria a respeito da Sociologia Jurídica, nos apresenta um mundo de lutas simbólicas dentro do campo jurídico. A definição de “campo” dada por Bourdieu é a de grupos e/ou indivíduos, munidos de aspectos específicos pelos quais acabam pertencendo a campos próprios, e que estão em constante competição pelo poder, também simbólico, enquanto coexistem dentro de um espaço multidimensional. Aplicando-a ADPF-54 sob a ótica de Bourdieu, temos diversos campos em conflito: em primeiro lugar, apresenta-se o campo científico/médico, que conclui a impossibilidade da vida extra-uterina de um feto anencéfalo, visando então salvaguardar o direito das gestantes de antecipar o parto, em prol da autonomia, saúde e dignidade de sua condição; há também àqueles que poderiam se mostrar contrários à decisão, como por exemplo, ferrenhos religiosos e defensores “pró-vida”. 

Neste sentido, a utilização do Direito como método de se evitar a lesão dos direitos fundamentais da mulher mostrou-se adequada, pois, segundo Pierre Bourdieu, o Direito deve exercer posição não-instrumentalista e não-formalista, o que significa não ser uma ciência somente à serviço dos dominantes e que recusa a forma jurídica como superior ao mundo social. É possível depreender, portanto, uma pequena vitória para os direitos da mulher, que em um Brasil conservador é tida como minoria. Quando o Direito age em defesa dessas, demonstra abrir mão de seu instrumentalismo e, levando em consideração a não aplicação do Código Penal nos casos de feto anencefálico, também recusa o formalismo. 

A decisão de tornar inconstitucional a condenação com base nos arts. 124º, 126º e 128º do Código Penal na interrupção da gravidez no caso de anencefalia, demonstra a universalização do Direito em presumir o caso concreto como realmente é, ou seja, trata-se de uma condição não compatível com a vida, cuja sequência trará danos irreversíveis à parturiente e que, desta forma, assegurando-lhe o direito de interromper a gestação, sem imposição de crime, trata o ato com pitadas de realidade. Assim, ao reconhecê-lo, indica o começo da superação da superioridade do moralismo dentro da norma, vencendo lentamente o grave histórico de opressão dentro da individualidade da mulher no Brasil. 



Ana Beatriz Cordeiro Santos - 2º semestre de Direito (noturno)


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