“Eu volto antes da chuva”, parecia que mesmo ali, diante de seu cadáver,
ela acreditava que logo ele chegaria em casa com sua cara melosa e seu olhar
terno dizendo que a cidade já não era mais um bom lugar para se viver, que a vigilância
sanitária tinha dizimado com os ratos mais gordos e que mesmo ele, um legitimo
gato angorá, tinha que se contentar com restos encontrados no lixo, e que um
dia desses ele a pegaria e os dois se mandariam para o campo. Ela sorriu, pois
conhecia de cor aquele monólogo e também sabia que ele jamais deixaria aquela
cidade por que ela era tanto parte dele, quanto ele era dela.
Ela relembra quando eles se conheceram, ele um lindo gato dourado, com os
olhos mais doces e azuis do mundo, ele era bem jovem, porém muito decidido e
convicto, disse a ela que a amaria todos os dias de sua vida, e assim o fez.
Naquela época ele dizia que a cidade conversava com ele e que os dois teriam um
futuro maravilhoso, cheio de mordomias e com luxo de sobra, “gato maluco”, a
vida dos dois sempre foi muito difícil e as vezes suas tolices de gato ainda
tornavam as coisas mais difíceis, contudo a cidade nunca lhes negou comida ou
mesmo um teto.
Certa vez um garoto rico o pegou no parque e disse que ele seria seu
gato, sua mãe logo consentiu por se tratar de um animal tão belo, quando
partiu, acenou para sua amada e disse que a noite voltaria para busca-la,
naquela noite ele não apareceu, mas ela não se preocupou, pois sabia que seu
amado jamais a deixaria só, mas o pobre gato somente apareceu no dia seguinte
completamente assustado e colocou-se a explicar o ocorrido, disse que ao chegar
na casa, o garoto o meteu em uma gaiola, como se ele fosse um canarinho e
começou a joga-lo para cima, na hora do almoço, o garoto deixou a gaiola no
sol, aquilo quase matou o gato, após do almoço, do qual o gato não participou,
o peste amarrou uma linha na gaiola e começou a abaixa-la dentro da piscina,
torturando assim o gato por toda tarde, neste momento o gato viu que iria se
dar mal, então girou, mordeu e arranhou o garoto e correu como nunca fizera,
correu tanto que ficou até meio roxo e quando chegou em seu pobre ninho e viu
sua amada, agradeceu aos céus e jurou nunca mais se meter a gato de madame.
Que triste desfecho a vida lhe reservou, agora estava ali, espatifado em
uma esquina qualquer, todos que passavam pareciam sentir a dor e angustia da
pobre gata, pois ninguém ousou toca-la dali, nem mesmo o dono do açougue com
quem ela tinha uma bronca gigantesca.
Seu coração estava magoado, destruído, ela sentia uma dor tão sincera,
tão amarga, parecia que também morreria, sua alma estava dilacerada, só de
imaginar a ausência de seu amado suas vistas embaralhavam por completo. O dia
estava chuvoso e logo a marginal transbordaria, ela não queria que seu belo
gato fosse levado pela enxurrada, seria pavoroso que seus restos mortais se
perdessem naquelas águas imundas, e como se o açougueiro ouvisse aquelas magoas,
foi aos fundos de seu açougue e pegou uma caixa vazia de farinha e dentro dela
colocou o cadáver daquele gato que um cliente com pressa atropelara ainda a
pouco, uniu-se a viúva num breve cortejo até o terreno baldio ao lado de seu
comercio para enterrar o pobre bicho, enquanto cavava pensava que seria bom ter
um gato, pois não tinha família e gatos são excelentes companhias para solitários
desse tipo.
Durante todo enterro a gata ficou paralisada por uma sensação torpe que
corria por seu corpo, quando o enterro terminou, quase por impulso, ela tomou o
caminho do campo e partiu, partiu sem olhar para trás, partiu para nunca mais
voltar...
NOME: ANTONIO JAIR DE SOUSA JUNIOR
TURMA MANHÃ
PRIMEIRO ANO
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