Durante a
maior crise de saúde dos últimos 100 anos determinadas estruturas sociais são restabelecidas
na sociedade brasileira. O conjunto de políticas públicas ineficientes, má
administração pública, crise humanitária e descaso social são um dos fatores que
permitem o reaparecimento de tais estruturas enraizadas no país. Após seis
meses da tentativa de distanciamento social, para conter a proliferação do Corona
vírus, é possível identificar o crescimento da produção cientifica. Segundo
dados do portal de notícias Diplomatique Brasil, as pesquisas acadêmicas
dobraram desde o início da pandemia, principalmente entre homens.
Nunca antes, o
lema positivista “Ordem e Progresso” inscrito em nossa bandeira, teve tanto
sentido. A pandemia gerou, em determinadas parcelas da sociedade, a necessidade
do cuidado com o outro. O altruísmo coletivo em detrimento do egoísmo
individual são características marcantes do início da segunda década do século
XXI. A ordem impera na tentativa de conter novos casos e consequentemente novas
mortes.
Porém como
mencionado anteriormente o crescimento produtivo de parte da população são
consequências do ‘Novo Normal’. A ideia do trabalho a distância, o aumento do
uso de novas tecnologias são características que permitiram o constante progresso
da sociedade contemporânea. Assim, se retornarmos ao início da formação da
república brasileira, nos meados do século XIX, as visões da corrente
positivista prevaleciam sobre qualquer outro pensamento. Dessa forma após
aproximadamente 130 anos da construção de nosso sistema político, vivenciamos a
produção cientifica e acadêmica cada vez mais desenvolvida na sociedade
brasileira. A ideia do constante progresso, da utilização produtiva do tempo,
ou até mesmo do ócio criativo, lema muito desenvolvido na contemporaneidade,
são aspectos similares, ou até - arrisco dizer - os mesmos, que do início de
nossa república.
Sendo assim, o
desenvolvimento das relações humanas cada vez mais sucateadas pelo ideário de
produção é intensificado com a calamidade pública, desencadeada pelo Corona
Vírus. Logo, essa concepção linear e evolucionária do positivismo, de um
constante progresso científico não leva a superioridade social, como previa
Comte, mas sim ao descaso com o diferente e a frustração pessoal.
Aliado ao que foi
anteriormente exposto, nas últimas semanas, repercutiu nos meios digitais, as
falas do rapper Emicida no programa Papo de Segunda. Em suma, a visão de uma
das maiores vozes do rap brasileiro, convergem para a crítica desse constante
progresso positivista enraizado na sociedade brasileira. O trecho compartilhado
nas redes sociais refere-se a exaustão do artista em estar sempre produzindo,
isto é, a pressão imposta pela sociedade de estar sempre utilizando todo seu
tempo para novos lançamentos. A frase “(...) quero estar cortando a unha do pé,
assistindo um programa de culinária” auxilia a entender a crítica contida no
ideário de constante progresso social.
Dessa forma,
se relacionarmos a ideia do avanço do pensamento científico, nota-se paridade
com as estruturas do início da contemporaneidade. Comte, considerado o pai da
sociologia, influenciou diversos pensadores posteriores, com a ideia da
constante superação empírica, isto é, a doutrina positiva, quando questiona as
bases epistemológicas do conhecimento e propõem uma nova reflexão acerca da
condução do pensamento social, busca classificar a maneira de se fazer ciência.
Embora,
o avanço científico, proposto por Comte, seja de grande importância para a
humanidade, deve-se ter em mente a situação histórica em que todos se encontra.
As falas do rapper, são extremamente puras e coesas com o contexto social,
político e econômico que vivemos. Enquanto, pessoas perdem seus empregos,
colegas de trabalhos e até mesmo familiares, para uma nova doença, todos os
aspectos psicológicos e comportamentais do individuo deve ser levado em
consideração. Assim, exigir da sociedade o aproveitamento extremo do tempo para
a constante evolução profissional do ser, baseado em um ideal positivista da
evolução humana, é ignorar totalmente as essências de cada um e corroborar para
a reificação do indivíduo.
Rafael Bronzatto - Direito Matutino | UNESP
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