Saturação Judicial
Jesus-Maria Sánchez irá emprestar a
ideia de Beck de sociedade do risco para caracterizar a nossa atual sociedade.
Segundo este autor, nós vivemos em uma sociedade que preza por um avanço
técnico em velocidade alucinante e que esse fato, dentre outros (como a própria
globalização e a mundialização do mercado), irão contribuir para fazer do
âmbito social um lugar instável e que provoca medos e insegurança a todos os
indivíduos. Por sua vez, esse medo e insegurança irão forçar a população a
busca amparo e um pouco de segurança em algum mecanismo institucional; segundo
Jesus-Maria, esse mecanismo será o Direito Penal, que se expandirá para
comportar tudo aquilo que a modernidade o propõe.
Esse fato da expansão do direito
Penal está intimamente ligado ao fato de que, atualmente, se têm de maneira
geral uma hipertrofia do poder judiciário que irá suprir as demandas sociais
através de seus julgamentos. O autor francês Antoine Garapon irá, através de
uma metáfora, caracterizar de forma acurada o tema da Judicialização: “o
judiciário tem sido o muro das lamentações do mundo moderno”. Ou seja, frente a
uma sociedade sem bases estáveis, com uma moral volátil e sem garantias
estatais, o judiciário se vê encarregado de fornecer tal segurança e garantia.
Colocado mais formalmente a
Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou
social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas
instâncias tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo. Como é
discutido por Barroso em seu artigo “Judicialização, Ativismo Judicial e
Legitimidade Democrática”, esse empoderamento do judiciário, no caso
brasileiro, é fruto de diversos fatores, mas pode-se apontar três com maior
clareza: 1) após a redemocratização e com a promulgação da constituição de
1988, “com a recuperação das garantias da magistratura, o Judiciário deixou de
ser um departamento técnico-especializado e se transformou em um verdadeiro
poder político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, mesmo em
confronto com outros poderes” (p.3). Aqui é capaz de se enxergar o problema do
STF ter sido eleito como o guardião da constituição; com essa posição ele acaba
se vendo na possibilidade de vetar os outros poderes sobre o pretexto de
violação constitucional, porém, quem guarda o guardião? 2) A nossa constituição
tem um dos sistemas de controle de constitucionalidade dos mais abrangentes e
difusos do mundo. Ele possibilita a juízes de qualquer instância deixar de
aplica uma lei caso a considere inconstitucional. 3) Uma constitucionalização
abrangente, quase todos os assuntos possíveis se encontram
constitucionalizados. Constitucionalizar uma matéria significa transformar
política em direito, espera-se que isso passe a fazer parte do enredamento normativo,
é algo pelo qual se espera efetividade, não é mais discussão. Está na norma,
essa norma tem que ser efetiva.
Tudo isso para apontar que o Brasil passa por uma tremenda crise de
representatividade e política. Sendo assim, os movimentos sociais tradicionais
como os sindicatos e os partidos políticos perdem espaço e importância em um
cenário que a efetividade dos poderes em que atuam (Legislativo e Executivo) é
muito pequena. Como foi colocado acima, a população opta por legitimar o poder
que está baseado na efetividade, que é o judiciário. É simples se perceber que
é ele quem dá efetividade a norma, e uma vez posto na norma, uma vez que o
direito tenha sido oficializado, ele deve ser efetivado. Caso não seja, o poder
judiciário está aí para enforçar sua eficácia.
Contudo, isso leva a outra faceta do problema de representatividade uma
vez que este poder não tem seus membros eleitos de forma a reduzir a exerção da
cidadania e isso é uma ameaça a Democracia. O voto parece que perdeu sua
importância, importante é entrar com ADPMs, ADINs etc. pois na visão atual, só
elas podem garantir direitos. Por sua vez, isso irá levar a um inevitável
problema fiscal já que os juízes não foram treinados e não tem o devido
conhecimento em matéria de gestão de políticas públicas: se obriga o governo a
colocar em prática políticas públicas (as quais ele teoricamente já se havia
comprometido) porém não se tem o embasamento econômico para tal disposição.
Todavia, a expansão do judiciário e o ativismo judicial nem sempre são
prejudiciais. Como em contraponto à reação conservadora do congresso o STF
aprova medidas em sua maioria a favor justamente das minorias e das demandas
sociais, com é a decisão da ADI com relação à união homo afetiva, na qual ficou
decidido que sim, homossexuais poderiam desfrutar de uma união estável.
Vivemos em épocas sombrias, na qual o chão parece instável: não se têm
mais uma moral bem definida, os movimentos de representatividade como os
partidos políticos já não conseguem mais dar voz aos ensejos populares, as
garantias de antigamente parecem ter evaporado e os comandantes do país optam
por uma marcha rápida a um conservadorismo limitador e discriminador. Nesse
contexto somado a desconfiança do legislativo posta na constituição de 1988,
tem-se uma expansão do Poder Judiciário, que acaba por se constituir como ele
próprio como garantidor das demandas das minorias e de certa estabilidade para
uma população perdida em meio ao caos do mundo globalizado e tecnicista.
Bibliografia:
BARROSO,
Luís Roberto. Judicialização, Ativismo
Judicial e Legitimidade Democrática.
SÁNCHEZ,
Jesús-Maria Silva. A expansão do Direito
Penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais.
Revista dos tribunais: 2002.
Tiago de
Oliveira Macedo/ 1ºano Direito Diurno
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