Ao
analisar a Ação Direita de Inconstitucionalidade número 4.277 – que pleiteava o
reconhecimento da União Homoafetiva como um instituto jurídico com o mesmo rol
de direitos reconhecidos aos casais heteroafetivos – é possível analisar
claramente o fenômeno da Judicialização da Política e do Ativismo Judiciário, exposto
no texto de Luís Roberto Barroso, ambos cada vez mais constantes no cenário
político brasileiro. Primordialmente, é importante ressaltar que a ADPF inicial
resultava da interpretação de incisos implicando efetiva redução de direitos a
pessoas de preferência ou concreta orientação homossexual e de decisões
judiciais proferidas no Estado do Rio de Janeiro e em outras unidades
federativas do País que decidiram nesse mesmo sentido. Assim, o autor da
arguição argumenta que, nessas situações, têm sido violados preceitos
fundamentais da igualdade, da segurança jurídica, da liberdade e da dignidade
da pessoa humana, uma vez que a homoafetividade constitui ‘fato da vida que não
viola qualquer norma jurídica, nem é capaz, por si só, de afetar a vida de
terceiros’ (ADI, p. 618).
Desconsiderando
a obviedade em decidir inconstitucional essa diferenciação, decorrente de
qualquer vivência no século XXI - em que a orientação e a livre escolha sexual não
deveriam mais ser considerados temas tabus - essa arguição traz à luz
curiosamente o tema da Judicialização, que muito diz sobre a sociedade e o
Direito brasileiros e que possui causas e consequências que precisam ser
esclarecidas. A começar, a Judicialização implica em condicionar ao Poder
Judiciário a capacidade de tomar decisões sobre temas iminentemente políticos,
como a saúde e a união homoafetiva, que deveriam ser do âmbito Executivo ou pertencer
a debates parlamentares, enquanto o Ativismo Judicial consiste em um modo
proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance para
além do que está explicitamente escrito. Ambos estão claramente ligados. São diversas
as causas para os dois fenômenos, conforme abordado no texto do ministro Luís
Roberto Barroso.
Entre
elas estão a própria disposição da Constituição de 1988, que por ser
demasiadamente abrangente, não permite ao Judiciário agir de maneira diferente
no controle de constitucionalidade, já que ‘se uma norma constitucional permite
que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela
conhecer, decidindo a matéria’(BARROSO, p.6). Há também a crise de
representatividade, legitimidade e funcionalidade no Legislativo e a
dificuldade dos partidos políticos atuais de se colocarem como articuladores dos novos
sujeitos sociais. Além disso, existe também uma problemática mais subjetiva: a
crescente flexibilização da vida econômica e social, característica do
neoliberalismo que vivemos, causa uma necessidade urgente de que a Constituição
garanta – através da expansão da sua forma – os direitos sociais aos diversos
grupos que antes eram assegurados pelo Estado. Assim, vê-se a transformação do
Judiciário em um poder político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis
e de transformar temas Políticos em Direito e garantias.
A
consequência disso é uma hipertrofia do Judiciário que não tem previsão de fim e
nem de resultados. Mais do que isso,
acaba por definir uma série de direitos que não possuem respaldo no contexto
societário atual do País. Essa situação é claramente agravada pela comum ‘contratualização’
da vida e das relações sociais, em que tudo – como a educação e a previdência –
é definido entre os indivíduos, diminuindo a garantia do Estado e aumentando a
possibilidade de conflitos.Sendo
assim, uma possível solução para essa transferência de decisões políticas para
o âmbito jurídico seria dar ao Estado um maior poder de regulação da vida
social como um todo, isto é, haver uma alta juridificação – fundamentada pela
Constituição – e uma baixa Judicialização, como proposto pelo ministro Barroso.
No entanto, é fundamental destacar que, independentemente de significar uma
crise dos Três Poderes e uma atrofia do Legislativo (poder representante da
vontade soberana do povo), a Judicialização tem sido responsável, no Brasil,
pela tomada de decisões mais efetivas e importantes sobre temas políticos controversos que, caso
tivessem sido debatidos pelo atual Congresso ultraconservador, poderiam ter
tido outro fim (retrógrado e ultrapassado, aliás).Ou seja, a Judicialização no País tem sido motivo de conquistas mais do que de preocupações e, aparentemente, esse movimento proativo ainda está se iniciando uma vez que cada vez mais discute-se o ativismo judiciário.
Dessa
forma, ao menos se tem no Judiciário um espaço em que os aspectos da
Constituição são debatidos criticamente, como visto na ADPF sobre o
reconhecimento de que a Constituição federal não empresta ao substantivo ‘família’
nenhum significado ortodoxo ou da própria técnica jurídica; sobre considerar, de
forma plural, o núcleo familiar como categoria sócio-política-cultural; e sobre
utilizar a ‘interpretação conforme à Constituição’ em direitos e garantias que não
estejam expressamente escritos na Constituição, mas que não são excluídos dela
devido ao regime e aos princípios adotados. Desse modo, que previsões temorosas sejam feitas e que se pretenda modificar a atuação do Congresso, mas, acima de tudo, que se permita que o poder magistrado
continue sendo a sintonia necessária - e urgente - com o sentimento social.
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