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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

O fim da invisibilidade e da estigmatização dos homossexuais?

   Desde as Ordenações Filipinas, aplicadas no Brasil, percebia-se certa perseguição aos homossexuais, o que se intensificou com a expansão lusitana, juntamente com o Tribunal do Santo ofício e o Concílio de Trento. Ou seja, desde os primórdios a questão da homossexualidade foi tratada de maneira cruel, com severas punições. Posto isto, e tendo em vista a sociedade atual, o Poder Público deve atuar cada vez mais no sentido de  erradicar a discriminação e o preconceito aos homossexuais. Dessa forma, tem-se como necessário a busca ininterrupta de igualdade material, justiça social e solidariedade entre os indivíduos, juntamente com a proteção dos mesmos, impedindo a violação de seus direitos fundamentais, principalmente, dos que vivem sob orientação sexual minoritária.
    Uma vez que a homossexualidade é um fato da vida. Uma característica da personalidade do indivíduo. Uma orientação e não uma opção sexual. Indivíduos que seguem uma orientação sexual diversa da maioria da população, na realização de seus modos e projetos de vida, constituem relações afetivas e de assistência recíproca, em convívio contínuo e duradouro com pessoas do mesmo sexo. Assim, não é correto imaginar, na sociedade ainda encharcada de preconceitos, tantas pessoas que “escolhessem” voluntariamente um modo de vida descompassado das concepções morais da maior parte da coletividade, sujeitando-se, à discriminação e, por vezes, ao ódio e à violência. Na verdade, a única opção que o homossexual faz é pela publicidade ou pelo segredo das manifestações exteriores desse traço de sua personalidade. Dessa forma, alijando-se da plenitude do exercício de suas liberdades.
    A partir disto, tem como sabido que as uniões homoafetivas encontram amparo na Constituição e no direito infraconstitucional. Porém, resta saber qual o tratamento jurídico a ser conferido, se a estas deve ser estendido o tratamento jurídico dado à união estável entre homem e mulher, de modo a proteger os direitos da minoria, assegurados na Carta Magna, agindo contra-majoritariamente. Nesse ínterim, conforme expõe o jurista Barroso, estas precauções são tomadas para evitar a criação de um modelo juriscêntrico e elitista: o Direito deve agir em nome da Constituição e das leis, e não por vontade política própria; o poder que exerce é representativo, por isso deve estar em sintonia com o sentimento social, muitas vezes, tendo os juízes que atuar de modo contra-majoritário, de modo garantir a conservação e a promoção dos direitos fundamentais, concretizando a democracia.
    Nesse contexto, adentram os direitos fundamentais da vida, de personalidade, da liberdade, da expressão, da autonomia de vontade, da vida privada e da igualdade de oportunidades, reunidos na dignidade da pessoa humana. Assim, em busca da solidificação de tais prerrogativas, julgamentos envolvendo o tema se avolumam, onde se pode colocar o tema do ativismo judicial e da judicialização, conceitos propostos pelo jurista Luís Roberto Barroso, envolvendo também a análise do art. 1723 do Código Civil Brasileiro e o art. 226, §3 da Constituição Federal, de onde resulta a possibilidade ou não do reconhecimento da união homoafetiva como uma família. Uma vez que, se não abarcada pelo ordenamento, a questão recairá em discriminação, intolerância e preconceito, os quais se materializam em violência física, psicológica e moral contra os que preferem a homoafetividade, que nada mais fazem além de constituir relações que se caracterizem por sua durabilidade, continuidade, além do propósito ou verdadeiro anseio de constituição de uma família. Igualmente como todas as outras.
    Precipuamente, deve-se tomar o conceito de família como categoria sociocultural e princípio espiritual. Partindo disto, pleiteia-se um reconhecimento do direito subjetivo de constituir família, e uma interpretação não-reducionista, uma vez que a  Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos. Com efeito, a ordem instituída em 1988, funcionalizou o conceito de família: verifica-se que o centro da tutela constitucional se desloca do casamento para as relações familiares dele (mas não unicamente dele) decorrentes; e que a milenar proteção da família como instituição depende da dignidade de seus membros, no que concerne ao desenvolvimento da personalidade dos integrantes bem como de seus direitos fundamentais, de modo que, independentemente de sua formação – quantitativa ou qualitativa.  Ou seja, não há a preservação do modelo biparental, sendo o que caracteriza ontologicamente uma família é: o amor familiar, a comunhão e a identidade.
    Na verdade, a partir de uma primeira leitura do texto magno, é possível identificar, pelo menos, três tipos de família, a saber: a constituída pelo casamento, a configurada pela união estável e, ainda, a que se denomina monoparental (como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes). Tendo isto em vista, a união homossexual também poderia ser vista com um quarto gênero, a qual pode ser deduzida a partir de uma leitura sistemática do texto constitucional e, sobretudo, diante da necessidade de dar-se concreção aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da preservação da intimidade e da não discriminação por orientação sexual aplicáveis às situações sob análise.
    Além do mais, as uniões estáveis formadas por homossexuais não são proibidas e estão na realidade, por isso, devem entrar no rol normativo também. Uma vez que o Judiciário não é mais acrítico e mecânico, admitindo-se certa criatividade dos juízes no processo de interpretação da lei, sobretudo quando estes se deparam com lacunas no ordenamento jurídico. Partindo de tais ideias do também professor Barroso, o rol de entidades familiares, definido no art. 226 da Constituição, pode ser declarado como exemplificativo, dada a natureza aberta das normas constitucionais. Para tanto, é essencial que se considere a evolução da família a partir de seus aspectos civis e constitucionais, e, também, na repersonalização das relações familiares, tornando as demais entidades familiares como tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminados de família indicado no caput. Como todo conceito indeterminado, depende de concretização dos tipos, na experiência da vida, conduzindo à tipicidade aberta, dotada de ductibilidade e adaptabilidade.
    No que tange ao reconhecimento, tem-se que diferenciação social entre heterossexuais e homossexuais está fundada em uma ordem de status social, com padrões culturais institucionalizados que consideram a heterossexualidade como natural e normativa e a homossexualidade como perversa e desprezível. O resultado é considerar gays e lésbicas como seres inferiores, gerando uma exclusão e marginalização da vida social e política, como um todo. Esses danos são nada mais que injustiça advinda do não-reconhecimento pelas leis e pela sociedade, uma vez que a ausência de vedações legais não é suficiente para assegurar  a igualdade material e o silêncio normativo catalisa a clandestinidade das relações homoafetivas. Desse modo, uma política de reconhecimento admitiria a diferença entre os indivíduos e traria para a luz relações pessoais de um segmento da sociedade que vive no “escuro”, ao invés de forçar os homossexuais a viver de modo incompatível com sua personalidade, uma vez que suas relações familiares merecem um tratamento que o ordenamento jurídico confere aos atos da vida civil praticados de boa-fé, voluntariamente e sem qualquer potencial de causar dano às partes envolvidas ou a terceiros.  
     Tal questão do reconhecimento também toca o tema da segurança jurídica: o alheamento do direito positivo relativamente às uniões homoafetivas gera insegurança para os indivíduos; em relação á planos de saúde, testamentos e etc. Reconhecimento, portanto, é certeza e previsibilidade. As uniões homoafetivas, uma vez equiparadas às uniões estáveis entre heterossexuais, permitirão aos indivíduos homossexuais planejar suas vidas de acordo com as normas jurídicas vigentes, prerrogativa que se espera de uma ordem jurídica comprometida com a proteção dos direitos fundamentais, como é a brasileira.
      Nesse sentido, o que cabe é a submissão do art. 1.723 (“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”) do Código Civil brasileiro à técnica da “interpretação conforme à Constituição” , na medida em que isto se fundamente na  principiologia constitucional: princípio da Igualdade;  princípio da Liberdade; princípio da Dignidade da Pessoa Humana; princípio da Segurança Jurídica e o princípio da Razoabilidade ou da Proporcionalidade. Caso contrário, estar-se-ia diante de um mero preconceito ou m autoritarismo moral. Ou seja, levando tais princípios em conta, quase que a Constituição como um todo, conspira a favor dessa equalização da união homoafetiva em relação à união estável.
      Além disso, tendo em vista o inciso II do art. 5º da Constituição Federal: “todos são iguais perante a lei” e “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”,  de onde sai a máxima“tudo que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido. Ou seja, cabe o desempenho de tais funções sexuais ao livre arbítrio de cada pessoa devido ao  silêncio normativo. Não há qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade no estabelecimento de uniões homoafetivas.
     Salienta-se, ainda, que não se há de objetar que o art. 226, § 3º, constituiria obstáculo à equiparação das uniões homoafetivas às uniões estáveis heterossexuais, por força da previsão literal (“entre homem e mulher”). Seria perverso conferir a norma de cunho emancipatório interpretação restritiva lógica que se há de estender ao art. 1.723 do Código Civil. Em relação a isto, deve-se propiciar-lhes jurisdicidade na situação fática em que elas se encontram para que possam ser a pretensão da equiparação da união homoafetiva à união estável, através de uma interpretação conforme a Constituição.
         Em suma, o melhor é se interpretar de acordo com a constituição, uma vez que ela carrega valores e princípios que devem se materializar na realidade, os quais estão muito além dos propostos pelo Código Civil. Outrossim, o que explica é esse “homem e mulher”, é a interpretação constitucional levando em conta palavras, valores e épocas; não mais compatíveis hodiernamente. Com a democracia, os direitos fundamentais à liberdade, igualdade, humanidade devem ser devidamente garantidos, de modo a impor a tolerância e a convivência harmônica de todos, com integral respeito às livres escolhas das pessoas. Além de que, não é possível que em um texto que assegure liberdades também a tire; o que seria antidemocrático em uma Constituição democrática, na qual aqueles que fazem opção pela união homoafetiva não podem ser desigualado em sua cidadania, visto que ninguém pode ser tido como cidadão de segunda classe porque, como ser humano, não aquiesceu em adotar modelo de vida não coerente com o que a maioria tenha como certo ou válido ou legítimo.
        Desse modo, tendo em conta os pensamentos de Barroso e a existência de um vácuo normativo, o que é ocorre e reger uma realidade social de acordo com essa vontade, ainda que de forma provisória, ou seja, até que o Parlamento lhe dê o adequado tratamento legislativo. Isso se dá através de, como proposto pelo autor, um ativismo judicial: escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo seu sentido e alcance de maneira proativa, permitindo o acompanhamento às demandas da sociedade, que esta em constante processo de mudança rumo a uma democracia totalmente inclusiva. O que pode ser feito numa perspectiva estritamente analógica, aplicando-a naquilo que coubesse, naquilo que fosse possível, se inserindo em uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização de valores e fins constitucionais. Nesse contexto, é possível contatar uma aproximação das características e finalidades da união homoafetiva com as demais formas de entidades familiares e a sua compatibilidade, a priori, com os fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação do desenvolvimento do individuo, da segurança jurídica, da igualdade e da vedação à discriminação por orientação sexual, apontando para a possibilidade de proteção e de reconhecimento jurídico da união entre pessoas do mesmo sexo. Nesse caso, o art. 226, §3, deve ser usado como uma maneira de inclusão, daí a importância da atuação dos tribunais para que se assegure uma interpretação constitucional que engloba os seus mais diversos aspectos, sobretudo, os direitos fundamentais. Impedindo, assim, uma concepção restritiva no que diz respeito à união estável.
      Andando junto com o ativismo judicial, a questão também pode ser inserida no contexto de judicialização, também invocado pelo autor citado, uma vez que devido à uma crise de representatividade do Executivo, e dificuldades em relação a legitimidade e funcionalidade no âmbito do Legislativo, tem alimentado a expansão do Judiciário nessa direção, com a prolação de decisões que suprem omissões e, por vezes, inovam na ordem jurídica. Os interessados angustiados recorrem então ao Judiciário, buscando uma solução. Para Barroso: “A Constituição deve proteger valores e direitos fundamentais, mesmo que contra a vontade circunstancial de quem tem mais votos. E o intérprete final da Constituição é o Supremo Tribunal Federal. Seu papel é velar pelas regras do jogo democrático e pelos direitos fundamentais”.  Segundo ele, é positivo que o Judiciário esteja atendendo demandas da sociedade que não puderam ser satisfeitas pelo Parlamento, visto que a omissão do judiciário agravaria a de falta de proteção de minorias ou de desproteção de pessoas que estão tendo os seus direitos lesionados. Daí nasce à importância do Judiciário, do Supremo Tribunal Federal em ser o intérprete final da Constituição, seu papel é velar pelas regras do jogo democrático e pelos direitos fundamentais, funcionando como um fórum de princípios e não de política.  
          Ademais, o ambiente democrático reavivou a cidadania, dando maior nível de informação e de consciência de direitos a amplos segmentos da população, que passaram a buscar a proteção de seus interesses perante juízes e tribunais. A redemocratização fortaleceu e expandiu o Poder Judiciário, bem como aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira, envolvendo questões de largo alcance político, como a implementação de políticas públicas ou escolhas morais em temas polêmicos. Tendo isto em vida, a judicialização não é um risco para a legitimidade democrática, mas sim a posição majoritária o é, pois o modo como age restringe o englobamento pela norma de novas circunstâncias presentes na realidade atual, ignorando direitos fundamentais e indo contra a um Estado democrático de direito.
         Portanto, o que se cabe é uma valorização do pluralismo em uma busca do direito de autoestima e felicidade á todos os grupos sociais, focado no propósito de reconhecer relações jurídicas horizontais para todas as tipologias do gênero humano. Assim, se valida o reconhecimento da união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar, com todos os direitos e deveres assegurados, desde que atendidos os requisitos exigidos para a constituição da união estável entre homem e mulher. Para isso, é preciso que o Direito siga a evolução da sociedade, disciplinando as disciplinas já existentes que geram efeitos juridicamente importantes, como a união homoafetiva, a qual também se inclui no conceito constitucionalmente adequado de família, inexistindo razão para tratamento diferenciado.
    Nesse contexto, figura a ideia proposta por Konrad Hesse, em “A Força Normativa da Constituição”: uma mudança das relações fáticas pode – ou deve – provocar mudanças na interpretação da Constituição. Dessa maneira, se concretizará a isonomia, impedindo que os homossexuais sejam obrigados a um padrão moral pré-estabelecido, aumentando sua legitimação socialmente e atingindo o objetivo do “Constitucionalismo fraternal” (modelo de “Teoria da Constituição” adotado pelo Brasil): políticas públicas afirmativas da fundamental igualdade civil-moral (mais do que simplesmente econômico-social) dos estratos sociais historicamente desfavorecidos e até vilipendiados (nesse caso os homoafetivos).

     Logo, a tendência mundial é a crescente afirmação dos direitos das uniões homoafetivas. Enquanto a lei não acompanha a evolução da sociedade, a mudança de mentalidade, a evolução do conceito de moralidade, ninguém, muito menos os juízes, pode fechar os olhos a essas novas realidades, até que a pressão dos fatos acaba por gerar certa aceitação de situações antes repudiadas. Finalmente, para a concretização normativa do assunto é preciso à participação de todas as esferas do poder: executivo, legislativo e judiciário como agentes transformadores da realidade. 

Maria Izabel Afonso Pastorii- 1º Ano- Direito Noturno. 

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