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sexta-feira, 11 de novembro de 2011

"Revolutio Et Lex Naturae"

"Já chegamos a conhecer a lex naturae como criação substancialmente estóica que o cristianismo adotou para encontrar uma ponte entre sua ética própria e as normas do mundo. Era o 'direito para todos', legítimo segundo a vontade de Deus dentro do mundo existente do pecado e da violência, em oposição aos mandamentos de Deus diretamente revelados a seus crentes e somente evidentes aos religiosamente eleitos. Agora veremos a lex naturae de um ângulo diferente. 'Direito Natural' é o conjunto das normas vigentes independentemente de qualquer direito positivo e que têm preeminência diante deste, normas que não devem sua dignidade a uma promulgação arbitrária, mas, ao contrário, legitimam o poder compromissório desta. Normas, portanto, que não são legítimas em virtude de sua criação por um legislador legítimo, mas sim em virtude de qualidades puramente imanentes: a única forma consequente e específica de legitimidade de um direito que pode restar quando não há mais revelações religiosas, nem a santidade autoritária da tradição e de seus portadores. O direito natural é, por isso, a forma específica de legitimar as ordens revolucionariamente criadas. A inovação do 'direito natural' foi sempre de novo a forma em que as classes que se revoltavam contra a ordem existente conferiam legitimidade à sua reivindicação de criação de direito, desde que não se apoiassem em revelações e normas religiosas positivas. Sem dúvida, nem todo direito natural orienta-se significativamente para ser 'revolucionário', até o ponto de considerar justa a imposição de determinadas normas, diante de uma ordem existente, por atos violentos ou pela renitência passiva. E não apenas os tipos mais diversos de poderes autoritários também retiravam sua legitimação de um 'direito natural', como havia também um influente 'direito natural do historicamente constituído' como tal, diante do pensamento fundado em regras abstratas ou produtor de semelhantes regras. Num axioma de direito natural dessa proveniência baseava-se, por exemplo, a teoria da escola histórica sobre a preeminência do 'direito consuetudinário' - conceito construído com clareza por ela pela primeira vez. Isso se manifesta claramente na afirmação de que um legislador não 'pode' limitar pela lei, com validez jurídica, o âmbito de vigência do direito consuetudinário, e muito menos excluir sua força derrogatória diante das leis, pois não se 'pode' proibir ao devir histórico que se realize. Mas também todas as outras teorias menos consequentes, meio históricas e meio naturalistas, do 'espírito do povo' como a única fonte natural - e, portanto, legítima da qual emanam o direito e a cultura - e especialmente do crescimento 'orgânico' de todo direito autêntico, baseado num 'sentimento de justiça' espontâneo, em oposição ao direito 'artificial', isso é, criado racionalmente de acordo com finalidades ou como quer que se apresentem esses encadeamentos de idéias próprios do romantismo, continham aquele pressuposto que degrada o direito estatuído a algo 'apenas" positivo'.
Max Weber.
O termo "revolução" tem origem na palavra latina "revolutio", a qual significa o "ato de revolver". O sociólogo Jeff Goodwin, da Universidade de Harvard, define revolução como "qualquer e todas as instâncias em que um estado ou um regime político é deposto e, assim, transformado por um movimento social de forma irregular, extraconstitucional e/ou violenta". A primeira vez que a palavra é reutilizada depois da queda do Império Romano do Ocidente se deu com Nicolau Copérnico, em sua obra “Revolutionibus Orbium Coelestium” (1543), quando o astrônomo polonês descreveu os movimentos dos corpos celestiais em torno do Sol. A acepção moderna, contudo, harmoniza-se com a definição de Jeff Goodwin. O conceito de direito natural (“lex naturae”), é gerado na Grécia Antiga, a partir da escola filosófica estóica. Posteriormente, ele é retomado pela Escolástica da Baixa Idade Média; todavia, encontra apogeu na Ilustração. O direito natural é compreendido como o conjunto de direitos que regem, de forma suprema, o direito positivo; ou seja, é a fonte maior de onde emana o direito positivo e conforme a qual este deve existir. Trazem consigo uma característica congênita que nenhum poder (incluso o estatal) pode desrespeitar. Max Weber defende que a ideologia de um direito natural é, constantemente, manipulada por determinadas classes, estado vinculada aos interesses destas. O sociólogo alemão distingue dois tipos de direito natural: o direito natural formal e o direito natural material. Para ele, o primeiro vincula-se “aos interessados no mercado”, na “apropriação definitiva dos meios de produção”, uma vez que racionaliza o direito de maneira a garantir os anseios destes. Já o segundo diz respeito “à situação de classe dos camponeses proletarizados”, ao “protesto contra o fechamento da comunidade de proprietários de terra”. O mesmo autor também salienta que diversos fatores têm conduzido a uma transformação do direito formal em direito material, dentre eles as teorias socialistas. Além disso, considera ser impossível “haver um direito natura puramente formal. Para Weber, o direito natural é ainda a forma de se legitimar os regimes políticos advindos das revoluções, já que estes foram, frequentemente, justificados com a invocação do direito natural. Até mesmo regimes autoritários buscaram legitimação no direito natural. Com efeito, o liame entre o direito natural e as revoluções é facilmente provado. A Revolução Americana (1776), que culminou na Independência das Treze Colônias Inglesas, convertidas em uma federação em 1787, caracterizou-se pela profunda e determinante influência das idéias de direito natural, contidas na obra “Segundo Sobre O Governo” de John Locke. A Revolução Francesa de 1789 refletiu sobremaneira o ideário iluminista, adstrito fortemente ao direito natural, o que pode ser constatado a partir do moto da Revolução: “liberté, fraternité et egualité”. Igual fato vê-se também nas revoluções socialistas do século XX que, à semelhança das Revoluções Russa, Chinesa, Cubana e Norte-Coreana, evocavam o direito à igualdade, seja no plano formal, seja no plano material (e principalmente neste). Entretanto, deve-se ressaltar que o socialismo real não representou uma ruptura conforme proporção almejada: substitui-se a exploração burguesa pela exploração da elite tecnocrata estatal, a posse burguesa dos meios de produção pela posse estatal (e não comum), da limitada democracia do liberalismo clássico pelas ditaduras (por vezes totalitárias) de extrema esquerda. Utilizaram-se igualmente do direito natural, notoriamente do direito à liberdade, processos de independência, que, não raro, não são definidos, às definições clássicas, como revoluções. Exemplo disso é a Independência Indiana. O mesmo ideário de direito natural se faz presente na chamada Primavera Árabe, sendo a justificação da Revolução Jasmim da Tunísia, da Revolução Egípcia, da Guerra Civil Líbia (que culminou em uma revolução), bem como dos diversos protestos nas demais nações do mundo árabe. Todavia, ainda não se verificou a instalação, em nenhuma das referidas nações, de uma democracia real, havendo aqueles que indagam ser a Primavera Árabe uma simples alternância de grupos no poder político das mesmas.Destarte, constata-se que uma revolução de facto é aquela que não se resume à utilização da lex naturae, mas que também implica em verdadeira mudança estrutural, política e sócio-econômica.

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