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segunda-feira, 21 de junho de 2021

O GATO E A MÁQUINA DE SORVETE

 

Era difícil conviver com seus pares, pois nascera com a curiosidade aguçada, mas não a curiosidade de um gato saber o que tem dentro de um buraco na parede, mas a curiosidade de saber o que era tudo aquilo que o cercava, de onde vinha tudo aquilo que sentia, ele concordava com hábitos há muito ensinados e transmitido através  das várias gerações de gatos, aliás adorava se lamber para ficar limpo, mas não queria passar dezoito horas por dia dormindo e se espreguiçando, e embora fosse um gato e não soubesse o que eram horas, tinha um noção clara do tempo e não queria perde-lo, sabia que existia, que era real, pois dentro de si algo dizia que sua existência seria passageira mas que a vida não era apenas aquilo que vivera ali naquele casarão abandonado, e tentou inutilmente compartilhar com seus pares, em língua de gato, suas aspirações em buscar compreender o desconhecido, ignorado, partiu rumo a qualquer lugar onde pudesse vivenciar novas experiencias, pois graças aos ensinamentos felinos comuns a todos os gatos ele sabia que não passaria fome, sede ou frio em sua jornada.

Após um tempo viajando ele chegou a uma cidade e colocou-se a observar a vida daquelas pessoas, notou que assim como os gatos as pessoas não se percebiam como indivíduos com um proposito superior e apenas perpetuavam ensinamentos que lhes eram transmitidos, andavam em círculos vazios e perpétuos, mas se dividiam em ambientes diferentes entre si, uma maioria era magra e miserável e uma minoria e gorda e bem vestida, mas ambos eram repetitivos e chegavam a ser cômicos.

O gato percebeu que tudo no mundo estava conectado e que não só as pessoas como os objetos, a natureza eram uns a extensão dos outros e que esse complemento deveria ter como finalidade o bem estar e harmonia de tudo e de todos, mas ficou muito triste de ver que do árduo processo de contribuição para a evolução todos participavam, mas do beneficio de tais conquistas pouquíssimos tinham acesso, e questionou-se sobre o fato de estar tudo e todos interligados e mesmo assim a maioria ser apartado de algo a que fazia parte, algo que era bom, mas ficou confuso de ver que aquela segregação era tão pouco criticada e tão bem aceita e concluiu que não conseguia ainda compreender plenamente aqueles seres, foi quando sentiu um delicioso cheiro e foi mais perto para conferir, um homem havia colocado em seu botequim uma máquina de sorvete.

O gato não conseguia entender se aquilo que tanto o atraia era um ser ou não, pois para ele era tudo tão mecânico e igual, mas ao chegar perto para analisar fora repelido com uma vassourada pelo dono do botequim que não queria gatos de rua atrapalhando seu negócio, logicamente não sem antes dar umas boas lambidas no sorvete mole que pingava da máquina no chão, quando o gato finalmente recuperou o folego colocou-se a meditar sobre o quão incrível e indescritível era aquele sabor e como iria fazer para degusta-lo novamente, pois sabia que não mais poderia viver sem aquilo em sua vida, o gato que há muito percebera a natureza humana como sendo limitada, egoísta e violenta, mas avido observador e estudante daquele povo tratou de bolar um plano, como sabia que o dono do botequim morava nos fundos do estabelecimento com sua mulher e uma filha, começou prontamente a aproximar-se da criança que de cara se apaixonou pelo lindo gato que esfregava em suas pernas no quintal, o gato vira que aquele duro homem que cheirava a cigarros ficava encantado na presença da pequena e sabia que ele nunca negaria algo que sua filha tanto quisesse, nem mesmo um gato, ou tão pouco sorvete e finalmente o gato descobriu o motivo pelo qual que ele nascera diferente, pelo qual abandonara seu casarão e seus pares, pelo qual estudara toda natureza e aquela gente, pelo qual meditara, ele entendia qual era a plenitude de seu propósito... ficar perto da maquina de sorvete.

 

 

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