Era difícil conviver com seus pares, pois nascera com a curiosidade
aguçada, mas não a curiosidade de um gato saber o que tem dentro de um buraco
na parede, mas a curiosidade de saber o que era tudo aquilo que o cercava, de
onde vinha tudo aquilo que sentia, ele concordava com hábitos há muito
ensinados e transmitido através das várias
gerações de gatos, aliás adorava se lamber para ficar limpo, mas não queria
passar dezoito horas por dia dormindo e se espreguiçando, e embora fosse um
gato e não soubesse o que eram horas, tinha um noção clara do tempo e não
queria perde-lo, sabia que existia, que era real, pois dentro de si algo dizia
que sua existência seria passageira mas que a vida não era apenas aquilo que
vivera ali naquele casarão abandonado, e tentou inutilmente compartilhar com
seus pares, em língua de gato, suas aspirações em buscar compreender o
desconhecido, ignorado, partiu rumo a qualquer lugar onde pudesse vivenciar
novas experiencias, pois graças aos ensinamentos felinos comuns a todos os
gatos ele sabia que não passaria fome, sede ou frio em sua jornada.
Após um tempo viajando ele chegou a uma cidade e colocou-se a observar a
vida daquelas pessoas, notou que assim como os gatos as pessoas não se percebiam
como indivíduos com um proposito superior e apenas perpetuavam ensinamentos que
lhes eram transmitidos, andavam em círculos vazios e perpétuos, mas se dividiam
em ambientes diferentes entre si, uma maioria era magra e miserável e uma
minoria e gorda e bem vestida, mas ambos eram repetitivos e chegavam a ser
cômicos.
O gato percebeu que tudo no mundo estava conectado e que não só as
pessoas como os objetos, a natureza eram uns a extensão dos outros e que esse
complemento deveria ter como finalidade o bem estar e harmonia de tudo e de todos,
mas ficou muito triste de ver que do árduo processo de contribuição para a
evolução todos participavam, mas do beneficio de tais conquistas pouquíssimos
tinham acesso, e questionou-se sobre o fato de estar tudo e todos interligados
e mesmo assim a maioria ser apartado de algo a que fazia parte, algo que era
bom, mas ficou confuso de ver que aquela segregação era tão pouco criticada e
tão bem aceita e concluiu que não conseguia ainda compreender plenamente
aqueles seres, foi quando sentiu um delicioso cheiro e foi mais perto para
conferir, um homem havia colocado em seu botequim uma máquina de sorvete.
O gato não conseguia entender se aquilo que tanto o atraia era um ser ou
não, pois para ele era tudo tão mecânico e igual, mas ao chegar perto para
analisar fora repelido com uma vassourada pelo dono do botequim que não queria
gatos de rua atrapalhando seu negócio, logicamente não sem antes dar umas boas
lambidas no sorvete mole que pingava da máquina no chão, quando o gato
finalmente recuperou o folego colocou-se a meditar sobre o quão incrível e
indescritível era aquele sabor e como iria fazer para degusta-lo novamente,
pois sabia que não mais poderia viver sem aquilo em sua vida, o gato que há
muito percebera a natureza humana como sendo limitada, egoísta e violenta, mas
avido observador e estudante daquele povo tratou de bolar um plano, como sabia
que o dono do botequim morava nos fundos do estabelecimento com sua mulher e
uma filha, começou prontamente a aproximar-se da criança que de cara se
apaixonou pelo lindo gato que esfregava em suas pernas no quintal, o gato vira
que aquele duro homem que cheirava a cigarros ficava encantado na presença da
pequena e sabia que ele nunca negaria algo que sua filha tanto quisesse, nem
mesmo um gato, ou tão pouco sorvete e finalmente o gato descobriu o motivo pelo
qual que ele nascera diferente, pelo qual abandonara seu casarão e seus pares,
pelo qual estudara toda natureza e aquela gente, pelo qual meditara, ele
entendia qual era a plenitude de seu propósito... ficar perto da maquina de
sorvete.
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