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sábado, 25 de julho de 2020

Nem ordem, nem progresso

O Brasil República da atualidade, próxima aos seus 131 anos, já não representa os ideais e princípios pelos quais foi fundada. Sob o lema “Ordem e Progresso”, inspirado na filosofia de August Comte, o país deveria ser governado e desenvolvido amparado naquilo que o positivismo, originalmente, propôs; ou seja, ter aversão daquilo que não é real, longe da especulação, alicercear na realidade, na experiência e naquilo que é fatual. Contudo, constata-se todo o oposto dessas proposições. Cotidianamente, a sociedade como um todo, está repleta de especulações, crendices, individualismo e egoísmo. Diante disso, é impossível algum progresso, pois para todo o progresso é necessário ordem, assim como a edificação demanda solidez de suas bases, sobretudo do solo. Haja vista que, como na época de Comte, a crise, dentre todas que o país passa, é sobremaneira moral. Já no exterior, na terra do “Make America Great Again”, jaz o maior símbolo anticiência que representa o Brasil, o famigerado Olavo de Carvalho. 

Como supramencionado, entre as crises pelas quais a nação perpassa, a preponderante certamente é a moral, cuja influência nas outras crises - econômica, sanitária e institucional - é amplamente observável e tem efeitos negativos. As evidências estão claras, seja na imobilidade institucional diante das nas ações criminosas presidenciais, seja na intensificação do egoísmo e do individualismo. A moral teria competência para sanar, ou ao menos auxiliar na redução, de todas as outras crises, ressaltando que esse poder é acessível a todos, e seu exercício efetivo traria grande pressão para as autoridades agirem de modo a impedir os descalabros governamentais, reciprocamente, essas autoridades ao exercerem seu poder moral, moralizaria os seus representantes de forma a reduzir o individualismo, egoísmo e a polarização política. No entanto, não se deve levar em conta aquela “moral da direita cristã”, cuja cristandade é nula, nem as morais religiosas, mas sim uma moral que esteja alicerceada nos direitos fundamentais, os únicos capazes de protegerem todas as pessoas das diversas classes, gêneros, etnias e religiões. 

Pelo contrário, o que seria essa recente constatação do próximo como inimigo? Da indiferença com a miséria e a desigualdade social de uma considerável parte da população? Da imobilidade dos agentes públicos competentes diante dos sucessivos crimes, já apontados por especialistas e investigados pela Corte Superior, pelo mandatário do executivo federal? Da propagação de notícias criminosamente falsas? Ou então, da negação da ciência? Não há outra nomeação senão “crise moral”. Importante ressaltar, para a sustentação dessa assertiva, o retorno dos, Comte diria, “Espírito Teológico” e “Espírito Metafísico”, devido a retorno das práticas de explicação do mundo, das causas dos fatos, através da religião ou de “forças naturais”, o que pode ser resumido pela única solução disponível dos fanáticos quanto à efetividade da Hidroxicloroquina no combate à pandemia, ou ainda, quanto à predestinação política do “Messias”. 

Analogamente ao início do século XIX, com todo individualismo que marcava a sociedade europeia - devido a preeminência do Espírito Teológico em que as pessoas tinham como meta a própria salvação - no Brasil ocorre o mesmo em diferentes termos, exacerbando-se progressivamente o egoísmo ao passo que a crise moral assola, além da sociedade, o Estado. Sem o devido amparo estatal dos mais necessitados, a sociedade passa a se comportar de modo a garantir a sua própria sobrevivência, porque é impossível que os indivíduos que mal conseguem afiançar o próprio aluguel terão conscienciosamente o dever de reivindicar moralidade dos agentes públicos para o enfrentamento das crises. 
Considerando que o positivismo se propôs a rejeitar toda especulação que não se funda na experiência e na realidade, associando-se com a convicção de que somente objetos de observação merecem a qualificação de real, seria imoral assumir posições que vão contra essa consideração, sobretudo no que diz respeito às áreas médicas na atualidade. Todavia, setores da sociedade e do governo adotam como verdadeiro e científico as abordagens apriorísticas das “filosofias” de Olavo de Carvalho. Se há algum positivismo em sua doutrina, é um positivo torpe e desviante, que prega uma ordem baseada numa hierarquização da vida em função do papel exercido na perpetuação da espécie, além de sugerir, mediante raciocínio infundado na realidade, a imposição da heteronormatividade, cujo fundamento se resume no suposto dado que homossexualidade é opção e heterossexualidade seria necessidade. Isso não seria positivismo, tendo em vista às essas proposições, que remetem a pseudociência, especulação pura, falta de método científico e sem evidência empírica alguma. Logo, a filosofia de Olavo não seria positiva e sim algo entre teológica e metafísica.
Como leciona João Cruz Costa, em seu artigo Augusto Comte e as Origens do Positivismo, “Somente o conhecimento dos fatos é fecundo. Renunciando aos métodos à priori, o positivismo elimina da filosofia todos os problemas que comportam soluções transcendentais ou que requeiram outros métodos além daqueles que a ciência admite”. Diante disso, como seria possível assumir com convicção que o racismo não existe, a retidão do planeta, a ineficácia das vacinas, a igualdade de direitos está assegurada a todos, sendo que existe ciência, dados e estatísticas que provam todos esses questionamentos? Ou ainda, mesmo com todos esses fatores, nada é feito para inibir esses comportamentos nocivos e anticiência, logo, antipositivista? É possível pela dita crise moral, pois se é negado preceitos e estudos científicos que efetiva e comprovadamente traduzem a realidade e nada é feito para impedir esse retrocesso, somente pode ser associado com um comportamento negativo que prejudica a sociedade e a vida da população, portanto, é imoral. 
O lema do positivismo é “Amor por princípio, ordem por base e progresso por fim”, mas o que mais tem vigor na atualidade é ódio; o pilar essencial da ordem – a moral – está extremamente fragilizado; e, assim, será impossível almejar qualquer progresso. Portanto, enquanto não houver uma moralização no sentido de retificar o comportamento da sociedade quanto eliminação do ódio - base da atual polarização política – , cobrança de mais igualdade e equidade para a sociedade e exigência da retidão dos agentes públicos, nada poderá progredir nesta nação. 
João Cruz Costa também ensina, através do supracitado artigo, que o mérito do positivismo foi em haver contribuído consideravelmente para que o pensamento filosófico se deslocasse decisivamente da especulação simplória para a investigação dos fenômenos relativos à organização real da vida social. Assim, não se pode aceitar “positivistas” que justificam a negação da necessidade de garantia a direitos de minorias, por exemplo, do mesmo modo em não se aceita a negação da esfericidade do planeta em que se vive. 
Comte lecionava que para uma verdadeira reorganização social deve se principiar por ocorrer nas ideias para serem passados aos costumes e, por fim, às instituições. Sob outro aspecto, essa reorganização deve ocorrer na mente, depois na moral e, finalmente, na política. Então, apesar das diversas e bem fundadas críticas ao positivismo, este tem ainda algo a colaborar com a atualidade. Deve-se refletir sobre como sanar essa crise primordial para que essas reflexões possam ser incorporadas à sociedade, tanto pelas instituições quanto pelas normas morais, de maneira a restabelecer a base e o amor com o próximo, os quais promoverão todo o progresso - civil, econômico, social, de direitos, et cetera - de que o Brasil tanto precisa. 

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