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sábado, 25 de julho de 2020

Stairway to (heaven) progresso

Diante do modelo do regime republicano instalado e a forma que o mesmo se consagrou, estampando no símbolo da bandeira nacional o imperativo de “ordem e progresso”, é quase impossível não observar um viés positivista ou ao menos um reflexo deste na sociedade brasileira. O positivismo, corrente sociológica que se consagrou pelo nome de Augusto Comte, tem seus princípios a chamada “física social” e a crença de uma edificação do conhecimento pautada em estágios. Assim, como em uma escadaria, haveriam três estágios: o primeiro degrau seria o estágio teológico, seguido pelo andar seguinte do estágio metafísico, até que a humanidade pudesse alcançar o “céu”, considerado principal e superior, o estágio do positivismo.
O ápice do conhecimento e do amadurecimento das ideias – representado pelo topo da escada no estado positivista – conceber-se-ia no uso articulado da observação dos fatos e sua racionalização. Dessa maneira, também se nota aí uma valorização dos deveres essenciais em detrimento da conflituosa querela dos direitos, sendo essa discussão bem evidente no hodierno contexto de polarização política no Brasil. Não é incomum a concepção ideológica, entre alas mais conservadoras, de que o país encontra-se carente de avanços porque “privilegia pautas esquerdistas” ou porque “os direitos humanos são para defender bandido e pormenorizam as obrigações cívicas”.
Tais visões podem ser facilmente percebidas na obra contemporânea do autointitulado pensador Olavo de Carvalho em seu texto “Mentiras Gays”, o qual possui caráter positivista perante sua contrariedade ao homossexualismo, ao basear-se em correlações “científicas e moralistas”. Para ele, tal qual para Comte, é necessário seguir os papéis sociais de conduta, o que justificaria a consideração olavista do homossexual como anormal uma vez que este não estaria de acordo com a primazia da reprodução biológica. Entretanto, tem-se que este mesmo embasamento biológico-social, quando posto para confrontar a educação sobre diversidade proposta pelos grupos LGBTQI+, abominada ferrenhamente pelo autor, naturaliza a sexualização infantil, reiterando ainda mais a incoerência da alegação do “intelectual”.
Além disso, em Comte, o indivíduo em si possui menor importância do que o coletivo social, devido ao fato, principalmente, do ideal de felicidade ser associado ao bem público. Dessarte, novamente, Olavo encontra embasamento positivista em sua tese – mesmo que esdruxulamente – no momento em afirma que o homossexualismo é egoísta por ser movido pelos desejos pessoais, os quais poderiam, e deveriam, ser suprimidos em prol do progresso e continuidade da espécie humana. Consequentemente, expõe-se uma moral vinculada essencialmente ao conjunto social e sua funcionabilidade de manutenção existencial, sendo, ademais, uma interpretação simplória do sujeito e sua identidade a partir de sua sexualidade, reforçando diversos preconceitos.
Torna-se axiomático, portanto, que a presença do positivismo de maneira corriqueira na realidade da sociedade brasileira é necessária em termos de seu desenvolvimento, porém, também pode apresentar-se perigoso quando utilizado para justificar dogmas falaciosos, como os expostos por Olavo. Desse modo, verifica-se uma dissimulação de Comte para buscar adaptar sua teoria a políticas discriminatórias – que desumanizam aspectos individuais do ser humano e impõem uma moral questionável – em nome de um progresso o qual, claramente, não é o meio de se auferir o “céu” do estágio positivista.

Luana Lima Estevanatto – 1º ano Matutino

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