Diante
do modelo do regime republicano instalado e a forma que o mesmo se consagrou, estampando
no símbolo da bandeira nacional o imperativo de “ordem e progresso”, é quase
impossível não observar um viés positivista ou ao menos um reflexo deste na
sociedade brasileira. O positivismo, corrente sociológica que se consagrou pelo
nome de Augusto Comte, tem seus princípios a chamada “física social” e a crença
de uma edificação do conhecimento pautada em estágios. Assim, como em uma
escadaria, haveriam três estágios: o primeiro degrau seria o estágio teológico,
seguido pelo andar seguinte do estágio metafísico, até que a humanidade pudesse
alcançar o “céu”, considerado principal e superior, o estágio do positivismo.
O
ápice do conhecimento e do amadurecimento das ideias – representado pelo topo
da escada no estado positivista – conceber-se-ia no uso articulado da
observação dos fatos e sua racionalização. Dessa maneira, também se nota aí uma
valorização dos deveres essenciais em detrimento da conflituosa querela dos
direitos, sendo essa discussão bem evidente no hodierno contexto de polarização
política no Brasil. Não é incomum a concepção ideológica, entre alas mais
conservadoras, de que o país encontra-se carente de avanços porque “privilegia pautas
esquerdistas” ou porque “os direitos humanos são para defender bandido e pormenorizam
as obrigações cívicas”.
Tais
visões podem ser facilmente percebidas na obra contemporânea do autointitulado pensador
Olavo de Carvalho em seu texto “Mentiras Gays”, o qual possui caráter
positivista perante sua contrariedade ao homossexualismo, ao basear-se em
correlações “científicas e moralistas”. Para ele, tal qual para Comte, é
necessário seguir os papéis sociais de conduta, o que justificaria a
consideração olavista do homossexual como anormal uma vez que este não estaria
de acordo com a primazia da reprodução biológica. Entretanto, tem-se que este
mesmo embasamento biológico-social, quando posto para confrontar a educação sobre
diversidade proposta pelos grupos LGBTQI+, abominada ferrenhamente pelo autor,
naturaliza a sexualização infantil, reiterando ainda mais a incoerência da alegação
do “intelectual”.
Além
disso, em Comte, o indivíduo em si possui menor importância do que o coletivo
social, devido ao fato, principalmente, do ideal de felicidade ser associado ao
bem público. Dessarte, novamente, Olavo encontra embasamento positivista em sua
tese – mesmo que esdruxulamente – no momento em afirma que o homossexualismo é egoísta
por ser movido pelos desejos pessoais, os quais poderiam, e deveriam, ser
suprimidos em prol do progresso e continuidade da espécie humana. Consequentemente,
expõe-se uma moral vinculada essencialmente ao conjunto social e sua funcionabilidade
de manutenção existencial, sendo, ademais, uma interpretação simplória do
sujeito e sua identidade a partir de sua sexualidade, reforçando diversos preconceitos.
Torna-se
axiomático, portanto, que a presença do positivismo de maneira corriqueira na
realidade da sociedade brasileira é necessária em termos de seu
desenvolvimento, porém, também pode apresentar-se perigoso quando utilizado
para justificar dogmas falaciosos, como os expostos por Olavo. Desse modo,
verifica-se uma dissimulação de Comte para buscar adaptar sua teoria a
políticas discriminatórias – que desumanizam aspectos individuais do ser humano
e impõem uma moral questionável – em nome de um progresso o qual, claramente,
não é o meio de se auferir o “céu” do estágio positivista.
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