Na
literatura do século passado se encontra facilmente as mais geniais distopias
prevendo a evolução social da humanidade em um futuro relativamente próximo, como
por exemplo as obras “Nós” de Evigueny Zamiatin, “Admirável Mundo Novo” de
Aldous Huxley e “1984” de George Orwell dentre tantas outras já consagradas
mundialmente. Aqui se cita essas três por uma característica comum que
apresentam, a uniformização da sociedade, cada qual apresentando esse fenômeno
a sua maneira, seja por modificações genéticas e drogas reconfortantes ou seja
por um governo totalitário que tolhe os anseios de sua população de maneira a
nivelar todos os sonhos, projeções e idiossincrasias (se for possível ainda
falar delas). Essas obras pareciam ter boas chances de se consolidarem, dentro
de seus limites, na realidade ─ e de fato ainda servem de parâmetro para
análise desta ─ não fosse um fenômeno muito bem analisado por Axel Honneth: a
luta pelo reconhecimento. Reconhecimento esse sendo uma ação positiva do
sujeito para si mesmo, permitindo-o a auto realização, levando, ainda, à
idealização e efetivação das lutas sociais, um processo que busca a “autoconservação”,
busca um mínimo existencial para um grupo que compartilha das mesmas
características.
Tal
reconhecimento é construído em três dimensões segundo Honneth, o Amor, o
Direito e a Solidariedade. Na primeira dimensão o reconhecimento tem raízes na
necessidade de uma natureza carencial dos indivíduos, sendo reconhecidos pelas
dedicação emotiva dos outros sujeitos; na dimensão do Direito, o reconhecimento
é fruto de uma igualdade legal, prevista nas leis e na moral; já na terceira, da
Solidariedade os sujeitos seriam reconhecidos a partir de suas contribuições
sociais, ela estima social. Essas dimensões se ligam e engendram às lutas
sociais a partir do sentimento de desrespeito, ou seja, da falta de
reconhecimento e reciprocidade sentida por um indivíduo, esse “sentimento de
injustiça”, utilizando as palavras do próprio autor, podem gerar ações
coletivas uma vez que é vivenciada e experimentada por um grupo de sujeitos que
compartilham das mesmas particularidades, ou seja, em um grau intersubjetivo,
típicos de um grupo inteiro. Esse desrespeito pode se configurar de inúmeras
maneiras que ferem àquelas dimensões de construção de reconhecimento tais como
os maus tratos, privação de direitos e ameaças à dignidade e integridade
individual.
Um exemplo marcante de lutas
sociais a partir do referencial de Honneth é a realidade vivida pelo movimento
LGBT, uma vez que em seu cotidiano vivem uma gama de desrespeitos às dimensões
do reconhecimento, um exemplo são os ataques físicos e morais que enfrentam
diariamente, degradando a imagem do grupo e do indivíduo, reduzindo-os a
rótulos e estigmas sociais, bem como a privação de direitos que os persegue,
tal como o recém conquistado direito à união homoafetiva, embasado na ADI
nº 4.277-DF. Este é um ponto crucial para a discussão do reconhecimento dos
grupos sociais enquanto compostos por indivíduos unidos por demandas comuns,
como poderia alguém ser reprimido ou sancionado por sua orientação sexual? Esta
é uma ofensa direta ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana previsto no
artigo 1º,
inciso III da atual Constituição Federal, isto é, em
termos legais nada é mais inconstitucional que essa privação por muito tempo
sofrida pelo grupo LGBT, ofensa direta ao Amor exposto por Honneth, nas
palavras de Max Scheler:
“O ser humano, antes de um ser pensante
ou volitivo, é um ser amante”,
ofensa, ainda, à Solidariedade, uma vez que o grupo
se vê estigmatizado e excluído de um processo social, impedido de amadurecer
sua personalidade perante à lei.
Nada mais assertivo para
finalizar tal explanação do que as palavras proferidas pelo Ministro Ayres Britto
durante seu voto favorável à legalização da união homoafetiva: “estamos a lidar
com um tipo de dissenso judicial que reflete o fato histórico de que nada incomoda mais as pessoas do que a preferência
sexual alheia, quando tal preferência já não corresponde ao padrão social da
heterossexualidade. É a velha postura de reação conservadora aos que,
nos insondáveis domínios do afeto, soltam por inteiro as amarras desse navio
chamado coração”. Porém, é imprescindível ainda o reconhecimento dos indivíduos
dentro dos grupos sociais, o Amor de um para com o outro, reconhecendo as idiossincrasias
de cada célula que compõe a luta social, garantindo uma tenacidade frente aos desafios
enfrentados. Se não houver tal reconhecimento é preferível a utilização de
drogas como a SOMA de Admirável Mundo Novo para retrair os impulsos mais
naturais ao indivíduo pois já não restará mais motivos para a luta quando o
indivíduo não for reconhecido ao menos pelos seus, quando não mais existir afeto
e reciprocidade, nesse caso já não existirão mais demandas legítimas para se
lutar nem valores a serem comungados, basta, portando, ingerir uma simples
droga e viver como a atual normatividade propõe.
Felipe Cardoso Scandiuzzi - 1ª ano - Direito
Matutino
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