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quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Reconhecimento ou SOMA

Na literatura do século passado se encontra facilmente as mais geniais distopias prevendo a evolução social da humanidade em um futuro relativamente próximo, como por exemplo as obras “Nós” de Evigueny Zamiatin, “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley e “1984” de George Orwell dentre tantas outras já consagradas mundialmente. Aqui se cita essas três por uma característica comum que apresentam, a uniformização da sociedade, cada qual apresentando esse fenômeno a sua maneira, seja por modificações genéticas e drogas reconfortantes ou seja por um governo totalitário que tolhe os anseios de sua população de maneira a nivelar todos os sonhos, projeções e idiossincrasias (se for possível ainda falar delas). Essas obras pareciam ter boas chances de se consolidarem, dentro de seus limites, na realidade ─ e de fato ainda servem de parâmetro para análise desta ─ não fosse um fenômeno muito bem analisado por Axel Honneth: a luta pelo reconhecimento. Reconhecimento esse sendo uma ação positiva do sujeito para si mesmo, permitindo-o a auto realização, levando, ainda, à idealização e efetivação das lutas sociais, um processo que busca a “autoconservação”, busca um mínimo existencial para um grupo que compartilha das mesmas características.
Tal reconhecimento é construído em três dimensões segundo Honneth, o Amor, o Direito e a Solidariedade. Na primeira dimensão o reconhecimento tem raízes na necessidade de uma natureza carencial dos indivíduos, sendo reconhecidos pelas dedicação emotiva dos outros sujeitos; na dimensão do Direito, o reconhecimento é fruto de uma igualdade legal, prevista nas leis e na moral; já na terceira, da Solidariedade os sujeitos seriam reconhecidos a partir de suas contribuições sociais, ela estima social. Essas dimensões se ligam e engendram às lutas sociais a partir do sentimento de desrespeito, ou seja, da falta de reconhecimento e reciprocidade sentida por um indivíduo, esse “sentimento de injustiça”, utilizando as palavras do próprio autor, podem gerar ações coletivas uma vez que é vivenciada e experimentada por um grupo de sujeitos que compartilham das mesmas particularidades, ou seja, em um grau intersubjetivo, típicos de um grupo inteiro. Esse desrespeito pode se configurar de inúmeras maneiras que ferem àquelas dimensões de construção de reconhecimento tais como os maus tratos, privação de direitos e ameaças à dignidade e integridade individual.
Um exemplo marcante de lutas sociais a partir do referencial de Honneth é a realidade vivida pelo movimento LGBT, uma vez que em seu cotidiano vivem uma gama de desrespeitos às dimensões do reconhecimento, um exemplo são os ataques físicos e morais que enfrentam diariamente, degradando a imagem do grupo e do indivíduo, reduzindo-os a rótulos e estigmas sociais, bem como a privação de direitos que os persegue, tal como o recém conquistado direito à união homoafetiva, embasado na ADI nº 4.277-DF. Este é um ponto crucial para a discussão do reconhecimento dos grupos sociais enquanto compostos por indivíduos unidos por demandas comuns, como poderia alguém ser reprimido ou sancionado por sua orientação sexual? Esta é uma ofensa direta ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana previsto no artigo 1º, inciso III da atual Constituição Federal, isto é, em termos legais nada é mais inconstitucional que essa privação por muito tempo sofrida pelo grupo LGBT, ofensa direta ao Amor exposto por Honneth, nas palavras de Max Scheler: “O ser humano, antes de um ser pensante ou volitivo, é um ser amante”, ofensa, ainda, à Solidariedade, uma vez que o grupo se vê estigmatizado e excluído de um processo social, impedido de amadurecer sua personalidade perante à lei.
Nada mais assertivo para finalizar tal explanação do que as palavras proferidas pelo Ministro Ayres Britto durante seu voto favorável à legalização da união homoafetiva: “estamos a lidar com um tipo de dissenso judicial que reflete o fato histórico de que nada incomoda mais as pessoas do que a preferência sexual alheia, quando tal preferência já não corresponde ao padrão social da heterossexualidade. É a velha postura de reação conservadora aos que, nos insondáveis domínios do afeto, soltam por inteiro as amarras desse navio chamado coração”. Porém, é imprescindível ainda o reconhecimento dos indivíduos dentro dos grupos sociais, o Amor de um para com o outro, reconhecendo as idiossincrasias de cada célula que compõe a luta social, garantindo uma tenacidade frente aos desafios enfrentados. Se não houver tal reconhecimento é preferível a utilização de drogas como a SOMA de Admirável Mundo Novo para retrair os impulsos mais naturais ao indivíduo pois já não restará mais motivos para a luta quando o indivíduo não for reconhecido ao menos pelos seus, quando não mais existir afeto e reciprocidade, nesse caso já não existirão mais demandas legítimas para se lutar nem valores a serem comungados, basta, portando, ingerir uma simples droga e viver como a atual normatividade propõe.

Felipe Cardoso Scandiuzzi - 1ª ano - Direito Matutino  

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