O
campo jurídico brasileiro enfrenta, atualmente, a demasiada demanda popular por
medidas de peso normativo. O descrédito aos poderes legislativo e executivo
alavanca o judiciário a uma posição basilar da construção de valores e
regulação de imbróglios sociais e políticos. Em exemplo mais recente, a ADPF nº
54, a qual determinou como possível e lícito o aborto de fetos diagnosticados
com anencefalia, cumpre, de maneira incisiva, o papel generativo de padrões
morais dentro de um certo contexto social.
O
veredito partiu de uma conjunção de votos ministrais, os quais, partindo de uma
demanda social evidente, enrijecida por movimentos sociais pelo fortalecimento
da liberdade individual das mulheres, em especial no período gestativo. Os
votos, não obstante, revelam uma inclinação pessoal de cada ministro com base
não na matéria legal senão na formação individual de cada um, no éthos personalíssimo de cada ministro;
com isso, fica nítida a impossibilidade de consubstanciação de uma
racionalização plena do campo jurídico.
Com
efeito, Pierre Bourdieu aponta para a dificultosa tarefa de implementar um
Direito plenamente formal e independente das pressões sociais. O Direito parte,
não obstante, de uma acumulação de capital simbólico de seus componentes, a
saber, os magistrados e doutrinadores teóricos; a ação de tais integrantes do
ordenamento jurídico produz efeitos os quais se tornam, de fato, o próprio
campo jurídico.
Dessa
forma, o parecer positivo à descriminalização do aborto em caso de anencefalia
concernente à ADPF nº 54 aponta, portanto, para a existência de um habitus cada vez mais progressista e
liberal no campo jurídico, esquadrinhando um alinhamento do poder judiciário
com a demanda social no Brasil hodierno. À luz do teórico Pierre Bourdieu,
pode-se concluir que a decisão judicial supracitada constata, por fim, a
posição lúcida do campo jurídico brasileiro frente às necessidades e
possibilidades do ordenamento socioeconômico nacional.
Fernando Melo Gama Peres.
1º ano, noturno.
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