Em 2016 o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, sob relatoria do Ministro Teori Zavascki, negou habeas corpus a um ajudante-geral condenado à
pena de 5 anos e 4 meses de reclusão pelo crime de roubo qualificado, possibilitando
que a execução da pena condenatória se iniciasse com a confirmação da sentença
em segundo grau. Segundo essa decisão, o princípio constitucional da presunção
da inocência não é ofendido. A partir desse habeas corpus, magistrados de
instâncias inferiores ao STF e ao Supremo Tribunal de Justiça, utilizando a
jurisprudência, proferiram sentenças que impediam recurso contrário pelo
condenado. Isso, de acordo com o proferido pelo relator do Ação Declaratória
de Constitucionalidade nº 43 Ministro Marco Aurélio, vai contra a literalidade
do inciso LVII, artigo 5º, da Constituição Federal, o qual permite presumir que
há uma gradação da formação da culpa daquele que está sendo acusado (a culpa é
pressuposto da reprimenda, e a constatação ocorre apenas com a preclusão maior).
A partir disso, o Ministro do Supremo conclui que a certeza da culpa existe
apenas no Superior Tribunal de Justiça, ou seja, na instância mais alta, não
cabendo às instancias mais baixas deferir sentenças condenatórias definitivas.
Estaria, então, o sistema jurídico como um todo,
principalmente os juízes de instâncias inferiores, fazendo um uso incorreto da
jurisprudência? No Civil Law brasileiro o uso desse conjunto de interpretações
das normas do direito é recente, ele tem sua origem no Common Law (sistema
jurídico-normativo presente em países de origem anglo-saxã como Inglaterra e
Estados Unidos). Serão elencados a seguir argumentos, com base no que foi
proferido pelo Ministro Marco Aurélio na ADC nº 43, que possibilitam pensar em
um uso incorreto da jurisprudência.
- O entendimento assentado na apreciação do habeas corpus nº 126.292 reverteu a compreensão da garantia que embasou a reforma do Código de Processo Penal – vê-se que o legislador alinhou-se ao Diploma Básico, enquanto o Supremo Tribunal Federal afastou-se dele ao preferir a sentença do referido HC.
- A sentença declaratória em segunda instância contraria o raciocínio de que o implemento da sanção não deve ocorrer enquanto não assentada a prática do delito, negando, dessa forma, os avanços do constitucionalismo do Estado Democrático de Direito.
- A decisão proferida pelo HC nº 126.292, sob relatoria do Ministro Teori Zavascki, é contrária ao artigo 283 do Código de Processo Penal, o qual enfatiza que “ninguém pode ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva” (grifo meu). Vale ressaltar que esse dispositivo tem sua constitucionalidade reconhecida, uma vez que a Constituição Federal tem o princípio da não culpabilidade como garantia vinculada ao trânsito em julgado.
Essas
considerações revelam que há um conflito entre os preceitos e dispositivos já
estabelecidos pela Lei Maior e pelo CPP e a atividade jurisprudencial que tem
como base o HC nº 126.292. Não nos cabe aqui determinar se a jurisprudência tem
sua atividade incorreta ou não, deve-se apenas considerar tais pontuações para
título de reflexão.
A
socióloga alemã Ingeborg Maus, em seu texto “Judiciário como superego da
sociedade – o papel da atividade jurisprudencial na ‘sociedade órfã’”, afirma
que no século XX houve um crescimento do “Terceiro Estado”, com a ampliação das
funções do Judiciário e pela veneração religiosa que a população passou a ter
por essa instituição. Essa confiança no Poder Judiciário é existente na
sociedade brasileira e, decisões ministradas pela instituição – que tem como
incumbência imprescindível proteger o texto que assegura os direitos delegados
aos cidadãos – que colocam a garantia à liberdade em xeque, como foi o referido
processo de habeas corpus, é lançar a
vida das pessoas à insegurança, bem como a tutela do Estado Democrático de
Direito.
Yasmin Fernandes Soares da Silva - 1º ano Direito [matutino]