Há tempos que a população brasileira assume
abertamente sua crise de representatividade nos poderes legislativo e
executivo, bem como seu descaso com os trâmites da política interna do país.
Tal fator acarreta contemporaneamente em uma desproporcionalidade entre o equilíbrio
dos poderes e um consequente “inchaço” das funções delegadas ao judiciário e
seus executores. O dado fenômeno é nominado por Luís Roberto Barroso como judicicialização,
em seu texto: “Judicialização, Ativismo Social e Legitimidade Democrática”.
O evento polariza as opiniões das múltiplas
instituições políticas presentes na nação e acaba por tornar-se um fator a mais
para a bipartição nacional: por um dos lados, é possível ver a judicialização
como um desdobramento natural das ciências políticas de um Estado de Direito
que estruturou todas as suas esperanças democráticas na criação de uma Magna
Carta pós-ditatorial, como ocorreu em 1988. Entretanto, para outros, o extremo
poder delegado aos juristas, atualmente, pode ser tido como uma crise institucionalizada,
acarretadora de uma justiça extremamente embrenhada na política que, por consequência,
não permitira a limitação do judiciário, ferindo a cláusula pétrea da
Constituição Federal referente à separação dos três poderes e sua respectiva legitimidade.
Uma das principais discussões catalisadoras dos
debates sobre a judicialização pode ser vista diante da decisão do Supremo
Tribunal Federal de aprovar a aplicação de pena após ação condenatória em
segunda instância. Tal embate jurisprudencial foi realizado com base no artigo
283 do Código de Processo Penal e no inciso LVII do artigo 5º da Constituição
Federal. Ambos afirmam, de formas distintas, que é indubitavelmente necessário proteger
o princípio da presunção de inocência até que a pena seja realmente aplicada ao
réu.
A votação dos ministros foi extremamente acirrada,
sendo de 6 a 5 em prol da execução pós segunda instância. A decisão logo gerou
reações do Partido Ecológico Nacional (PEN) e da OAB, com seus respectivos
pedidos de medida cautelar contra a realização das penas. Tais instituições
acreditam, assim como os cinco ministros que votaram contra a medida, que as
sanções de aplicação imediata após o tramite em segunda instância ferem os
preceitos defendidos pelos artigos já citados e são inconsequentes ao não
levarem em conta as diversas lacunas presentes no sistema punitivo brasileiro,
que sofreria com as aprovações do STF.
Entretanto, o Supremo decidiu por uma visão
encarada como mais progressista depositada em seus seis ministros de parecer favorável.
Desse modo, a aprovação em questão procurou flexibilizar o cumprimento das
penas e combater a morosidade judiciária, acarretadora de uma possível
impunidade em decorrência da prescrição de
crimes, como ocorrido com o ex-jogador Edmundo que, acusado de cometer
homicídio ao atropelar um jovem, possuiu o crime prescrito após sua ação passar
pela lentidão característica da terceira instância. Além disso, a jurisprudência
do STF também pode ser vista como fruto de uma descrença popular crescente com
os constantes “crimes do colarinho branco”, como lavagem de dinheiro e
corrupção ativa, que muitas vezes acabavam por não receber punições ao serem
encaminhados à terceira instância.
Portanto, é possível concluir que a judicialização
ganha espaço em uma sociedade de dinamismos não acompanhados pela classe política
do país. Desse modo, acaba por caber às instituições legais entender a
sociedade atual e suas respectivas demandas, gerando sim, uma separação de
poderes disfuncional, que deve ser encarada de forma cautelosa e ponderada,
para que se possa reaver um equilíbrio politico legitimo e concretamente
funcional.
Lucas Correa Faim - Noturno
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