O Poder
Judiciário na perspectiva atual: um poder Moderador disfarçado?
Ultimamente, o
Brasil está permeado em uma longa crise político-econômica, motivada pela
adoção de uma série de medidas econômicas desastradas, pela ausência de representatividade
política, pelos recentes escândalos de corrupção, pelo colapso dos serviços públicos,
pelo aumento dos impostos e pela alta taxa de desemprego e de falência das
empresas; consequentemente, impulsionando o descrédito da população perante as
instituições dos poderes executivo e legislativo e o pessimismo em relação ao
fim da crise. Contudo, um terceiro poder, ao contrário dos demais, não só goza
de bastante prestígio, como também é apontado pelo clamor popular como o
solucionador de todas as mazelas que nos aflige: o poder Judiciário. Nem que
para isso, ele exceda as suas atribuições prescritas pelo ordenamento jurídico,
mas que faça “justiça”, e com uma simples “canetada” dê um desfecho aos complexos
problemas atuais.
No entanto, a
partir da difusão dessa ideia e com o Judiciário reconhecendo-se como legítima
vanguarda da moral e da razão, devido à “honorabilidade” e “intelectualidade”
de seus membros, sedimenta-se um novo entendimento acerca do limite das suas competências,
bem como das suas interpretações jurídicas, já não tendo mais como pedra
angular a Constituição da República, mas sim diversos princípios imbuídos na
comunidade internacional, oriundos da declaração universal do direito dos
homens, como o da dignidade da pessoa humana, o da solidariedade, o da
igualdade. Desse modo, iniciam-se numerosos casos de ingerência judicial na
seara executiva e legislativa – travestidas sob o eufemismo de “ativismo
judicial” –,
impondo a estes poderes o acatamento de políticas públicas dos mais variados
tipos ou mesmo a suspensão de outras já tomadas, pelo simples argumento de
intérprete constitucional e tutor dos direitos fundamentais, numa clara afronta
à separação de poderes prescrita no arcabouço jurídico, usurpando para si
funções para as quais não foi eleito e nem será responsabilizado em caso de
fiasco e prejuízo à sociedade. Exemplo disso é a judicialização da saúde, por
meio da qual inúmeros pacientes entraram na justiça para garantir o recebimento
de remédios que estavam em processo de fornecimento ou foram negados, em consequência
disso surgiram três problemas graves para o sistema de saúde: a quantidade de
pessoas que por ter uma assessoria jurídica furam a fila do SUS, enquanto as demais
que não têm esse acesso têm que esperar mais tempo, mesmo que tenha solicitado
esse medicamento antes do paciente postulante, ferindo o princípio constitucional
da isonomia; deteriora-se mais ainda o precário orçamento dos sistemas
regionais de saúde, pois o gestor local é obrigado a atender uma demanda onde
muitas vezes não há receita para cobrir esse custo, culminando na falta de
medicamentos básicos como analgésicos para providenciar um tratamento oneroso,
sobrepondo os interesses individuais aos coletivos; por fim, o mais grave, é a
prescrição, por ordem judicial, de medicamentos que muitas vezes não possuem a homologação
da ANVISA, podendo acarretar sérios riscos à saúde do paciente, vide o caso da
pílula do câncer, que bem antes de ter sua autorização por lei – lamentada por
especialista –, já era concedida
judicialmente.
Sob outro prisma,
o ativismo judicial também abre nefastos precedentes para que o julgador se
arrogue de suas funções a fim de interpretar arbitrariamente as diversas normas
jurídicas conforme sua conveniência, valores ideológicos e até mesmo conforme o
clamor popular, ainda que num notório desvirtuamento do texto constitucional,
com uma hermenêutica bastante heterodoxa e questionável juridicamente; visando
solucionar impasses complexos com soluções simplórias, cujo objetivo principal
é construir uma boa imagem perante a opinião pública, como ocorreu com a
recente decisão do STF em declarar a constitucionalidade da execução da pena em
segunda instância, sendo que a Lei Maior é bem clara no seu artigo 5º, inciso
LVII, que “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, ou seja,
até a condenação em última instância, no caso o STF, ninguém poderia ser preso
durante o processo, com exceções já previstas na Constituição e no Código de
Processo Penal para evitar a impunidade. Mas, diante de uma comoção popular causada
pela corrupção que atingiu a alta cúpula do Executivo e do Legislativo, bem
como dirigentes de Estatais e Executivos do setor privado, então a maioria dos
ministros da suprema corte achou por bem dar uma outra interpretação a essa
previsão constitucional historicamente conquistada, deturpando sua essência protetora
da presunção de inocência. Entrando, inclusive, em contradição com uma das
pedras angulares que fundamentam o ativismo judicial: o princípio da dignidade
da pessoa humana.
Portanto, é com
extrema delicadeza que deve ser analisado o ativismo judicial, pois a sua
banalização, como já vem ocorrendo, pode ocasionar diversos gravames à Carta
Maior, principalmente no que tange à separação de poderes e às competências
positivadas; além de que, muitas decisões tomadas parecem mais servir a
questões de cunho populistas do que jurídicas. Por conseguinte, institucionalizando
a existência de um superpoder, não eleito para tal, que regerá a vida em
sociedade conforme seu bel-prazer e paixões, a exemplo do que foi o poder
Moderador no Império; violando, assim, a democracia, que é uma cláusula pétrea
da Constituição, implantando, ainda que informalmente, uma “magistocracia”.
John. R. Angelim Novais - 1º Direito Noturno
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