Muito
se diz a respeito da “crise de representatividade” vivenciada no Brasil,
principalmente porque ainda está aberta a ferida da
corrupção. Logo, o descolamento entre a classe política e
sociedade civil demonstra uma espécie de “retração do Poder Legislativo”, o
qual se torna incapaz de atender bem as demandas populares. Muito
comum é, portanto, que as pessoas recorram ao judiciário, pois se tem algo como
a expectativa identificada por Ingeborg Maus na Alemanha: de que a Justiça
possa funcionar como uma “instância moral”.
Naturalmente,
é um hábito o judiciário decidir a respeito de questões de larga repercussão
política ou social. Tal é o fenômeno da judicialização, esta é legítima diante
da Constituição brasileira de 1988 e até necessária. Principalmente porque
nossa atual Constituição (1988) é classificada como analítica:
constitucionaliza inúmeras matérias e transforma, nas palavras de Barroso,
“Política em Direito”.
Porém,
um dilema: possuindo o judiciário um leque muito amplo de ação, como identificar e avaliar o ativismo
judicial? Isso porque o ativismo pode ser negativo e lesar bases fundamentais
da Constituição quando, através de uma “preocupante inflexão hermenêutica no
plano sensível dos direitos e garantias individuais”, impedir a concretização
das liberdades fundamentais.
Note-se
que, em 2016, o STF debateu a respeito do início da execução da pena antes do
trânsito em julgado da sentença penal condenatória (ADC 43 MC / DF). Ora, o
texto constitucional (artigo 5º, inciso
LVII) vincula claramente o princípio da não culpabilidade em uma das cláusulas,
segundo Celso de Mello, mais essenciais à preservação da liberdade humana,
principalmente por ser exigência básica de respeito à dignidade da pessoa
humana, princípio no qual a República Brasileira se firma. Dessa forma, não se
imaginaria possível qualquer interpretação que não proteja
um direito fundamental. A não ser, é claro, em sociedades autocráticas.
Contudo,
por maioria (6 a 5), o Plenário do Supremo Tribunal Federal conseguiu chegar a um entendimento diferente.
Bem,
segundo Luís Roberto Barroso, o ativismo judicial “é uma atitude, a escolha de
um modo específico e proativo de interpretar a Constituição”, entretanto, “Juízes
e tribunais [...] Só atuam legitimamente, quando sejam capazes de fundamentar
racionalmente suas decisões, com base na Constituição”. Desse modo, não se pode
desistir de uma conquista nem mesmo diante de um irrefletido clamor popular.
Ao
fim, fica clara a razão para o Min. Celso de Mello afirmar que “desconsiderar a
presunção de inocência impõe restrições não autorizadas pelo sistema
constitucional”, porque nem poder judiciário nem qualquer autoridade pode sobrepor-se
ao sistema de proteção institucionalizado pelo ordenamento
constitucional. Desse modo, segundo sua interpretação, naquela ocasião, o
Supremo admitiu uma “aberração jurídica, porque totalmente inconstitucional e
ilegal.”
No
mesmo sentido, Maus afirma que “Quando a Justiça ascende ela própria à condição
de mais alta instância moral da sociedade, passa a escapar de qualquer
mecanismo de controle social”, do qual nenhuma instituição democrática deveria
escapar. Ou seja, a competência do Tribunal passa a ser derivada de princípios desenvolvidos por ele próprio e não das regras constitucionais.
Todavia,
não seria prudente a simples demonização do ativismo judicial pois, como
argumenta Luís Roberto Barroso, o ativismo judicial vinha sendo “parte da
solução, não do problema”, quer dizer, seu risco é o
uso descontrolado e frequente. Além disso, ele não é a causa da crise de representatividade,
legitimidade e funcionalidade do Poder Legislativo.
Sendo
assim, é preciso reconhecer a importância de várias conquistas oriundas da
atuação do judiciário quando obediente às possibilidades e aos limites abertos
pelo ordenamento jurídico. Por fim, tanto é importante não misturar os perigos
e problemas da democracia brasileira que, recentemente, pôde-se verificar
através do noticiário que, talvez, tenha havido uma mudança no entendimento da
Corte, de forma que é possível esperar a alteração da “jurisprudência" com
o retorno da questão ao debate do STF, já que um novo ministro integra as
turmas e o Min. Gilmar Mendes sinalizou a mudança de seu voto, algo plenamente
aceitável, particularmente se para retificar resultados injustos ou danosos ao
bem comum e aos direitos fundamentais.
Diogenes Spineli Soares Filho, 1º ano, Direito noturno.
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