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domingo, 9 de outubro de 2022

Quando Bourdieu encontra Garapon em Brasília

O tema em questão é a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277-DF impetrada no Supremo Tribunal Federal em 2011, que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar à luz do Art. 1.723, sob a visão de Pierre Bourdieu e Antoine Garapon. O conflito expresso no litígio é a luta entre uma parcela da sociedade que provoca o Estado-Juiz para ter direitos salvaguardados e outra que tenta cristalizar um conceito retrógrado de família. A Procuradoria Geral da República, requerente da Ação, por exemplo, representa o seguimento da coletividade que deseja construir uma sociedade realmente igualitária enquanto outros agentes almejam minar os direitos das minorias sexuais.

A caracterização do “espaço dos possíveis” no que diz respeito à questão se dá pela interpretação arcaica do Art. 1723 do CC que diz que família é “a união estável entre o homem e a mulher”, ou seja, uma exegese que desqualifica a união homoafetiva. Porém, doutrinadores já lembraram que o reconhecimento favorável do Tribunal em relação à união não foi nada novo pois na França em 1999, a título de ilustração, uma Lei alterou o Código Civil para abarcar uniões de pessoas do mesmo sexo. Além disso, o Superior Tribunal de Justiça também havia dado parecer semelhante quando em 2010 concedeu decisão no mesmo sentido de conceder tal direito. 

É possível perceber conflito no “espaço dos possíveis” porque enquanto existe pessoas dispostas a mudarem seu ponto de vista em relação à união supracitada, algumas não conseguem sair da Idade das Trevas da ignorância. As expressões da racionalização da norma estão presentes na universalização, isto é, entender o ordenamento jurídico de forma sistêmica, sem esquecer dos direitos e garantias fundamentais assegurados na Constituição, e na neutralização, ou seja, a percepção objetiva do comando normativo, em outras palavras, compreender que o Código não proíbe casamento entre pessoas do mesmo sexo pois não delimita sua redação à “entre um homem e uma mulher”, mas sim “entre o homem (como sujeito-homem) e a mulher (sujeito-mulher)”. A historicização da lei é capaz de ser observado a partir da seguinte constatação: na época colonial os homossexuais teriam sido queimados; atualmente podem demandar a proteção de seus direitos na mais alta Corte no País. 

Conforme Garapon, por outro lado, a situação expressa a busca pelo reconhecimento de direitos por parte da comunidade LGBTQIAP+, e não o suposto “ativismo judicial” já que o Judiciário foi provocado pelo Ministério Público Federal como foi dito anteriormente. As expressões da “magistratura do sujeito” e/ou do “paternalismo judicial” podem ser percebidas na tutela da “liberdade de dispor da própria sexualidade”, que não poderia ser obtida por outra via que não a jurídica. Prova cabal disso é o alarmante número de pessoas da comunidade homoafetiva que são mortas todos os dias País afora. Isso prova que um grupo da coletividade não consegue ser razoável para dizer o mínimo, pois cidadãos são mortos por causa de sua orientação sexual, por isso que a intervenção estatal é fundamental. 

Não existe qualquer aspecto de “antecipação” na decisão expressa no julgado pois se parte do pressuposto que o Supremo seguiu todas as formalidades do processo e disciplinou matéria de sua competência prevista nos Arts. 5º e 6º da Lei Maior de 1988, em outras palavras, o STF cumpriu com seu dever de salvaguardar a Carta Política brasileira por meio da proteção de contrair núpcias de relativa parcela da Nação. Logo, tal fato representa avanço democrático sem sombra de dúvidas. O Brasil se uniu aos países que protegem suas respectivas diversidades políticas, sexuais e culturais. Bravo! 


Thiago Ozan Cuglieri

Direito noturno

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