A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) N⁰ 4277 foi ponto chave para a luta contra a LGBTQIAP+ fobia, não somente no que tange a esfera judicial do Brasil. No ano de 2011, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal oficializou a legalização de uniões homoafetivas, com estas passando a ter a mesma proteção jurídica do que a das uniões heteroafetivas. Sendo assim, estava aberta a possibilidade para novas formas de discutir o preconceito a respeito da comunidade LGBTQIAP+, que viriam a enraizar-se nos próximos anos, com grandes progressos a respeito do tema, sobretudo no que tange às normas jurídicas e as conclusões a respeito do assunto.
Neste sentido, o autor Antoine Garapon vai entender que, ao passo que as realidades sociais da modernidade tendem, ao menos em sua visão, a caminhar rumo à uma sedimentação da Democracia plena, onde todos os indivíduos teriam "dentro de si" a própria, isso poderia acarretar em uma "angústia auto determinativa" dos mesmos, impedindo, de forma efetiva, o desenvolvimento desse Estado Democrático buscado; entraria aqui, portanto, o judiciário, sendo a instituição que se responsabilizaria por realizar essa tutela da "luta por direitos", inclusive com esta passando a ser sua função principal, desbancando, assim, a sua função como árbitro das decisões a serem tomadas; na contramão do que fala Garapon, temos a figura de Ingeborg Maus, autora que vai propor uma visão bem menos favorável à essa forma de atuar do judiciário, apontando como essas constantes ações, cujas intenções seriam supostamente as melhores, poderiam desestruturá-la e, em casos mais extremos, levar a uma " ditadura do judiciário", fruto dessa dilatação do poder dos tribunais e dos juristas, os quais passariam a tomar quase que todas as decisões a respeito da sociedade, inclusive as que não os pertencem, gerando um autoritarismo.
Além disso, ver a ADI como uma simples atitude bem intencionada do STF, o qual, em um ato caridoso, deu a uma população oprimida um direito é algo completamente equivocado. Como aponta Pierre Bourdieu, a própria ideia de uma realidade em que a esfera jurídica estaria a par dos demais elementos que compõem uma sociedade( definidos por ele como campos) é algo impossível, uma vez que, mesmo possuindo determinada independência entre si, todos os campos ainda estariam relacionados pelo espaço social em que se encontram, bem como pelo campo econômico, o qual seria um " norte" para as tomadas de decisão envolvendo os demais, incluindo o jurídico. Dessa forma, como há, dentro do espaço social, a luta por inclusão das pessoas cis-hetero divergentes, haveria uma manifestação dentro de outros campos ( neste caso, o juridico), com o objetivo de atender a esses clamores sociais e; o fator econômico, por sua vez, também não pode ser ignorado quando se analisa que, mesmo hoje, com os avanços da ordem jurídica com relação à esse tópico, muitos mais comuns são os casos de violências contra membros da comunidade LGBTQIAP+ que estejam em condições econômicas menos favoráveis, de modo às estatísticas relativas à essa subdivisão mostrarem ainda mais casos de violência, com esta sendo ainda mais intensa.
Porém, mesmo Bourdieu entendendo que não foi do campo jurídico de onde surge e desenvolve-se essa busca por mudanças sociais, ele mesmo também afirma que é papel do juiz, do tribunal e até mesmo da ordem, como um todo, buscar a sua consolidação, no âmbito judicial; o autor defende que, sendo o direito uma das várias ordens que compõem o espaço social( contradizendo Kelsen e seus seguidores), mas também não servindo apenas às classes dominantes ( contra argumentando com os marxistas estruturalistas), ele pode moldar, através de si, as ferramentas necessárias para o desenvolvimento social, como foi no caso tratado, onde, mesmo não sendo do ordenamento que partiu essa luta, nem foi onde se desenvolveu inicialmente, foi através dele que se consolidou uma etapa importante para esse projeto, permitindo uma série de novas vertentes de discussão, bem como maiores margens para desenvolver esse rol de direitos das pessoas LGBTQIAP+, incendiando, ainda mais, a luta por direitos dessa população oprimida.
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