A
historicização da norma, conceito difundido pelo sociólogo Pierre Bourdieu,
consiste na tentativa de trazer a norma para o presente, em suas palavras “adaptando
as fontes a circunstâncias novas, descobrindo nelas possibilidades inéditas”.
Tal ideia, aliada com a judicialização da política, sob a perspectiva de
Antonie Garapon, funciona como um mecanismo facilitador de garantias sociais e
individuais na sociedade contemporânea.
Em primeiro plano, a ADI ( Ação Direta de
Inconstitucionalidade) 4277 é um claro exemplo de historicização da norma. O
STF, nesta decisão, permitiu a união entre pessoas do mesmo sexo (união
homoafetiva). Deste ponto, torna-se claro que a proposição e aceitação de tal
medida, seja por mutação constitucional ou por interpretação construtiva do direito não é
feita com base em ideais conservadores de uma sociedade antiga, mas, sim, por um
meio social contemporâneo que detém grande diferença de princípios quando
comparado ao passado. Com isto, trazer normas constitucionais expressas em 1988
para os dias atuais, implica uma nova forma de observar e materializar prerrogativas,
através de anseios e valores de organizações fortalecidas merecidamente ao
longo do tempo, como as comunidades LGBTQIA+, permitindo e ampliando a sociedade
pluralista e democrática expressa no texto constitucional e em suas vias implícitas.
Em segundo plano, a judicialização da política, fenômemo em que muitas decisões em tese políticas ou de caráter legislativo são transferidas ao
poder judiciário, também apresenta grande importância para a materialização de
prerrogativas, mesmo com visões polêmicas sobre o assunto. Para Antonie
Garapon, a democracia transforma o homem, desfazendo os laços hierárquicos “naturais”,
recriando-os artificialmente pelo direito. O indivíduo liberta-se da tutela de
seus magistrados naturais, adquirindo mais liberdade( política, econômica e
social). No entanto, tal liberdade,
permite ao ser humano dúvidas quanto a aspectos que nunca foram
enfrentados por estes, fundamentando uma nova tutela no juiz estatal. Deste
modo, segundo Garapon “ chama-se a justiça no intuito de apaziguar o molestar
do indivíduo sofredor moderno. Para responder de forma inteligente a este
chamado, ele deve desempenhar uma nova fruição, forjada ao longo deste século,
a qual poderíamos qualificar de magistratura do sujeito”. Com isto, a tutela do
juiz estatal é definida como esta magistratura do sujeito, capacidade de
amparar o indivíduo, resolver suas inquietações e garantir prerrogativas. Assim,
o juiz ao expressar sua autoridade, em bases constitucionais, fomenta
prerrogativas e ampara grupos, como a comunidade LGBTQIA+, no caso da ADI 4277.
Nota-se que a judicialização da política é um fenômeno ainda anterior, em
termos de processo, quando comparada a historicização da norma, visto que para
um determinado direito ser ampliado ou ter suas características mudadas, é
necessário que decisões “políticas” cheguem ao judiciário.
Ademais, por fim, busca-se refutar, a concepção
de Ingeborg Maus, quanto a conotação negativa de interferência do judiciário,
assemelhando-se ao ativismo judicial. Para Maus, a ascensão da justiça como a
condição de mais alta instância moral da sociedade, escapa o poder judiciário
de qualquer mecanismo de controle social, interferindo nos demais poderes. Discordando
de Maus, nota-se que a moralidade não é
o princípio norteador das ações do judiciário e, sim, a constituição. Deste modo,
a justiça consolida-se como um guardião da Constituição(espaço de possibilidade de atuação da justiça, espaço dos possíveis, na visão de Bourdieu), estando ela própria
limitada por esta. Além disso, grande parte de decisões políticas tomadas pelo
judiciário, no contexto brasileiro ,são feitas pela omissão do poder
legislativo em questões difíceis que envolvem diversos sujeitos da sociedade.
As ideias de Maus também se encontram disseminadas em um contexto próprio,
alemão, com o TFC( Tribunal Federal Constitucional Alemão). Tal contexto
diverge historicamente, politicamente e culturalmente de outros tribunais ao
redor do mundo, não levando em conta também o avanço do ultraconservadorismo, o
neoliberalismo e as consequências de ambos para a constitucionalidade e
manutenção do status democrático.
Em síntese, conclui-se que a historicização da norma e a judicialização da política são fatores importantes para a garantia de direitos( em exemplo, a união homoafetiva) sendo necessária a refutação de concepções muito singulares e que não explicitem de maneira correta o ativismo judicial e as funções do poder judiciário.
João Felipe Schiabel Geraldini. 1ano, Direito Noturno.
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