As ideias do professor Michael McCann pensam o Direito como um instrumento de mobilização social. De acordo com o pensador, há diversas narrativas em disputa no campo social e o Direito é um dos atores fundamentais que ajudam a construir novas perspectivas acerca das diversas realidades que constituem e estruturam o funcionamento das sociedades. McCann analisa, por exemplo, como os Tribunais têm sido cada vez mais as fontes detentoras e garantidoras dos direitos coletivos, pois o judiciário tem recebido fortes pressões que buscam pelo reconhecimento da importância de demandas e pautas populares que ainda são invisibilizadas das mais diferentes formas. Logo, o autor evidencia a existência de práticas arquitetadas por grupos sociais que necessitam de amparo jurídico e, assim, organizam-se e mobilizam-se para provocar impactos positivos tanto no meio social como no âmbito jurídico.
Para debater a ideia do autor à luz da realidade brasileira, é possível analisar uma situação chocante que tomou conta do país no ano de 2019: a proibição de vendas de uma HQ que possuía personagens homossexuais. O caso ocorreu durante a Bienal do Livro do Rio e causou grande polêmica, pois o prefeito Marcelo Crivella exigiu que uma determinada revista em quadrinhos fosse proibida de ser colocada à venda no evento, ameaçando a Bienal ao ponto de dizer que iria promover a cassação do alvará que permitia o funcionamento do festival cultural caso a HQ circulasse no espaço. A partir dessa atitude conservadora e retrógrada, o prefeito utilizou de seu cargo enquanto figura de poder público para impor censura a um material que não apresenta nenhum risco para a sociedade e seus indivíduos. Diante de uma posição com forte caráter homofóbico, muitos movimentos sociais que estão atrelados à proteção do direitos LGBTQIA+ se manifestaram publicamente de forma enérgetica contra a decisão de Crivella, pois todos entederam que a censura proposta estava enraizada em questões ligadas a posturas homofóbicas, machistas e autoritárias.
Neste cenário de mobilização dos grupos contra a absurda posição do prefeito, percebe-se o fenômeno destacado por Michael McCan, pois encontra-se nesta situação a ideia de ‘’mobilização do direito como estratégia de ação coletiva’’. Após os inúmeros protestos e indignações, o desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro(TJ-RJ) posicionou-se de forma favorável à venda e circulação das revistas em quadrinho na Bienal e concedeu uma liminar para impedir que Prefeitura do Rio de Janeiro fizesse a apreensão das revistas em quadrinhos. Ao agir desta forma, o desembargador deixou claro que tal postura de caçar livros com a temática que trata de questões LGBTQIA+ é uma conduta que ‘’reflete ofensa à liberdade de expressão constitucionalmente assegurada’’.
Com as revoltas em torno do posicionamento da Prefeitura do Rio, é possível perceber que houve uma pressão social para que o judiciário se posicionasse e repelisse a conduta de Crivella, pois um debate que começou devido um conflito social chegou até a esfera jurídica, propiciando uma mudança positiva para pessoas de um grupo que historicamente vêm sendo marginalizados. Além do desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes, o próprio STF manifestou-se contra a censura imposta e os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes foram enfáticos ao posicionarem-se diante do ocorrido, reafirmando que ações que atentam contra a noção de dignidade humana, não encontrarão espaço para sobreviver e prosperar na Corte. Assim, compreende-se que na tentativa de subjugar e silenciar uma pauta social tão importante como a relação de pessoas do mesmo sexo, Crivella e seu time do retrocesso acenderam de forma inconsciente um debate que reafirmou ainda mais a importância de valores pautados na dignidade, empatia e respeito a vida dos indivíduos LGBTQIA+. A polêmica em torno da censura imposta acabou trazendo para a discussão um fortalecimento que só foi garantido por meio da utilização do Direito como instrumento de mobilização para gerar impacto na vida desses grupos que ainda são discriminados, abrindo precedentes para que novos paradigmas fossem construídos sob a autenticidade da ação legal.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário