Segundo Michael McCann, os precedentes judiciais podem exercer influência, direta e indireta, no relevo político-jurídico das formações sociais que integram. Seja fornecendo recursos simbólicos para determinada mobilização social, seja incentivando a formação de novos litígios, a atividade judicante estaria, direta e essencialmente, relacionada com a dinâmica social.
Essa concepção, ao transcender a noção de que os cidadãos devem ser meramente tutelados por decisões e interpretações judiciais, coloca estes como sujeitos ativos da mobilização do direito. Seria a partir dessa mobilização do direito, realizada pelos próprios cidadãos, que o Direito se alteraria e (re)afirmaria demandas e direitos sociais. Ressalta-se, nessa análise, que as discussões sobre violações aos direitos fundamentais não partem, a princípio, da livre e espontânea vontade dos tribunais, mas são, na verdade, provocadas por aqueles atingidos pela violência, pelo preconceito, pela discriminação e pelo arbítrio, que socialmente se mobilizam para que suas pautas sejam reconhecidas e discutidas no âmbito jurídico.
Como exemplo a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, em que se discutiu a omissão do Congresso Nacional ao deixar de editar lei que criminaliza atos de homofobia e transfobia. A imprescindibilidade dessa discussão surge pela mobilização da própria comunidade LGBT+ em denunciar a ausência de proteção penal aos integrantes do grupo, a vulnerabilidade e a violência a que estão histórica e constantemente submetidos. Nesse sentido, a mera realização do debate sobre determinadas práticas discriminatória, no caso a homofobia e transfobia, podem repelir condutas governamentais abusivas e reafirmar a intangibilidade dos princípios constitucionais, como a dignidade humana.
Cabe evidenciar a observação do Ministro Celso de Mello, em seu voto no julgamento da ADO 26, sobre o significado da defesa da Constituição pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo o Ministro, a prática da jurisdição constitucional, quando provocada por grupos minoritários e vulneráveis – mobilização do direito, não pode ser considerada um gesto de indevida interferência da Suprema Corte na esfera orgânica dos demais poderes. Ao adotar medidas que objetivam restaurar os princípios constitucionais, o Supremo Tribunal Federal estaria, nesse entendimento, demonstrando o respeito incondicional que tem pela autoridade da Constituição.
Essa demonstração e (re)afirmação da possível efetividade dos direitos fundamentais pela prática da jurisdição é capaz, portanto, de influenciar a própria dinâmica social, incentivando a conscientização social sobre o tema, a não aceitação de práticas discriminatórias e violentas às minorias e, consequentemente, a própria ação coletiva. Não obstante, possibilita também que seja extraída das declarações internacionais e das proclamações constitucionais a máxima eficácia dos direitos humanos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão 26. Voto Ministro Celso de Mello. Brasília, DF: Supremo Tribunal Federal, 2019. Disponível em: *ADO26votoMCM.pdf (stf.jus.br)
MCCANN, Michael. Poder judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos “usuários”. In: Anais do Seminário Nacional sobre Justiça Constitucional. Seção especial da Revista Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região/Emarf, p. 175/195.
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