Michael W. McCann traz a perspectiva da Mobilização do Direito pelos movimentos políticos, transferindo seu local de atuação, solução, conquistas e derrotas para dentro do sistema de justiça. Desta forma, o Direito vai se tornando cada vez mais permeável às classes que antes o tinham apenas como legitimador de seu opressor. O caso analisado sob este pensamento é a Medida Liminar do STF contra a proibição da “Educação de Gênero” em Ipatinga, Minas Gerais. Nele, foi a possibilidade de acessos ao sistema jurídico e a tomada de consciência de seus direitos que permitiu que grupos da sociedade civil, mesmo externos ao mundo jurídico, identificassem a inconstitucionalidade da norma municipal e reconhecessem a capacidade de poderem revertê-la na Justiça. Foi a consciência sobre a possibilidade de ocupação deste novo campo de lutas que engendrou o requerimento de uma ação de extrema importância no contexto político, social e jurídico atual, quando uma onda de reacionarismo contrário às conquistas sociais das últimas décadas causou e intensificou diversos ataques contra os direitos das minorias e contra a ações que os promovessem, como o ensino crítico, com promoção de debates que ampliam visões sobre esta problemática.
Desta forma, percebe-se como a mobilização do Direito para o atendimento de demandas como a defesa de grupos vulneráveis não é um enfraquecedor dos movimentos políticos, mas um grande e poderoso aliado para a melhora nas condições, sejam materiais, sociais ou legais, provendo o bem estar que tais lutas buscam. O reconhecimento jurídico dessas reivindicações também traz a sensação de consolidação dos direitos adquiridos, sendo, após instituídos ou ao menos citados na literatura jurídica, muito mais difíceis de serem retirados. O Sistema de Justiça faz parte do modelo democrático e a utilização dele pelos cidadãos comuns não é uma ameaça para este sistema, ao contrário, o fortalece. Seria anti-democrático permitir que ações como a norma municipal de Ipatinga - MG relativa à educação municipal permanecesse em vigor, já que esta é contra a pluralidade humana e fere diretamente a existência e o reconhecimento de grupos sociais, como os LGBTI+.
A atuação dos tribunais frente aos conflitos políticos e sociais traça novas normas e formas de agir, seja socialmente ou juridicamente. Socialmente, pois o Direito é um reflexo da moral, cultura, ética e condutas de uma sociedade, ao mesmo tempo em que as molda. Portanto, cada nova criação, interpretação e aplicação de uma lei vai transformando suas convenções comportamentais, o que é aceito e o que é feito dentro dela. Desta forma, decisões judiciais favoráveis a grupos LGBTI+ vão pouco a pouco mitigando, junto dos movimentos sociais e da educação, as ações homofóbicas dentro da sociedade.
Da mesma forma, no campo jurídico, cada ação inovadora amplia o espaço dos possíveis, favorecendo futuramente decisões parecidas e facilitando o trâmite de outros processos de natureza análoga, pois pode ser utilizada como argumento e objeto de pressão. Assim, a pontuação do requerente, que diz “assemelham-se ao contido em leis de numerosos municípios brasileiros, o que comprova ameaça não apenas aos preceitos fundamentais mencionados, mas também à segurança jurídica” revela, por um lado, que a decisão do STF sobre esse caso específico abre caminhos para lidar com outras dezenas de semelhantes; e, por outro, que permitir que determinações anti LGBT, como as feitas em Minas Gerais, se espalhem e se normalizem jurídica e socialmente é tornar o problema cada vez mais grave e enraizado.
Assim como a decisão do STF abre precedentes para similares, ela também foi possibilitada por uma jurisprudência já anteriormente debatida e institucionalizada. O requerente pôde utilizar a Constituição Federal para apontar a ilegalidade da determinação do município de Ipatinga. Além disso, a norma municipal cita o Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014), declarando que ele será aplicado juntamente com a proibição da discussão sobre diversidade de gênero. Porém, tal essa determinação estaria em antítese com as próprias diretrizes do PNE, que estabelecem como função da educação a “superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação, meta que é alcançada justamente com a promoção destes debates vetados pela lei municipal. Ou seja, novamente uma decisão anterior abriu caminhos para a derrubada de uma outra determinação que serviria apenas para o enrijecimento de estruturas supressoras da cidadania de uma parte da população e para a manutenção do status quo.
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