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quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Análise de julgado: apologia ao estupro no trote


A magistrada Adriana Gatto formalizou o não reconhecimento a uma ação que denunciava um ex-aluno de Medicina da UNIFRAN por proferir discursos que atacam a imagem, a dignidade e a segurança de alunas que estavam participando de um trote da faculdade.


 A ação de denúncia constitui-se pelo fato do ex-aluno ter executado a prática de proferir discursos que ferem a dignidade da mulher durante um trote que tinha como vítimas as novas alunas do curso de medicina da faculdade. Verbalizando hinos e expressões de cunho machista, misógino, pornográfico e sexista, o ex-aluno que na atualidade já é um médico recém formado, perpetuou por meio de suas atitudes a lógica de violência que sistematicamente vem sendo imposta ao sexo feminino ao longo da formação social da sociedade.


Ao adentrar o posicionamento da magistrada em questão, é possível compreender que ela teve como ímpeto ideais conservadores para justificar a improcedência do caso e legalizar um tipo de comportamento que deveria ser combatido na esfera social com a ajuda do Estado. Utilizando do senso comum e negando toda a história de violência direcionada às mulheres na sociedade, Adriana Gatto é um ótimo exemplo para servir como objeto de estudo a partir da percepção sociológica proposta pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu. Seguindo o raciocínio de Bourdieu, é possível identificar na postura da magistrada alguns conceitos desenvolvidos pelo autor, como por exemplo, o conceito de Capital e Habitus.


No conceito de ‘’Capital’’, o autor define que este está alicerçado na ideia de que o indivíduo pode ou não possuir capital que lhe garanta recursos e vantagens diante de outros indivíduos que não possuem esse mesmo privilégio. Além disso, fundamenta que o Capital pode ser econômico, social e/ou cultural. A presença do Capital nas suas mais variadas formas está destacada de modo óbvio na conduta da magistrada, pois ao se consolidar como juíza, Adriana Gatto possui autonomia para demandar decisões que julgar cabíveis diante da sua própria percepção sobre os casos que analisa, esse é seu Capital. 


Seu poder simbólico em uma situação como essa, potencializa seu poder de fala, pois a juíza tem em suas mãos o controle do âmbito jurídico para oficializar suas crenças conservadoras enquanto usa como justificativa autoras e estudos que discutem o feminismo seguindo um viés deturpado acerca da essência e da luta desse movimento social. Além disso, podemos nos aliar a outra ideia do autor para continuar desvendando a maneira como a juíza se comporta no campo judicial. 


Sinteticamente, o conceito de Habitus desenvolvido pelo francês, é a norma estruturante que guiará a maneira como o indivíduo age, se posiciona e enxerga a sociedade em que vive, logo, podemos classificar tal conceito como a experiência social que preenche o interior de cada ser. Ao reproduzir seu habitus no campo jurídico, a magistrada Adriana Gatto expõe sua parcialidade no caso justamente por aderir ao uso de referências teóricas que demonstram bem suas posições adquiridas e construídas ao longo de sua vida. Dessa forma, é possível compreender que o Habitus da juíza é força constituinte que legitima seus vereditos nos julgamentos.


Ao compreender a postura da magistrada diante a grave denúncia realizada contra o ex-aluno, entende-se que nenhum fator histórico e social foi levado em consideração no momento da tomada de decisão para a absolvição do acusado. Sendo assim, a dinâmica neste caso evidencia que tanto o meio judiciário como as relações sociais estruturadas pelo Direito, possuem marcadores sociais que conduzem o modo como as narrativas irão desenvolver-se. Embora a denúncia não tenha sido aceita e reconhecida pelo MP, urge reconhecer que no espaço social o caso pode tomar forma. As discussões sobre machismo, misoginia e a ineficiência do poder público presentes no caso abrem novos precedentes que intensificam o debate acerca desses temas, promovendo questionamentos sobre essas questões e trazendo para a sociedade o enfrentamento de problemas sociais que são tão complexos e urgentes, mas que ainda continuam silenciados e invisibilizados. Trazer luz a um caso julgado desta maneira, é a chance de desenvolver o espaço do possível, pois é a oportunidade de demonstrar como o Direito opera sob a coerção de fatores externos e, assim, criar uma nova maneira de lidar com a prática jurídica. É necessário pensar o Direito não como ferramenta de instrumentalização para a prosperidade de lógicas perversas, mas sim como mecanismo que deve e precisa existir para o combate de todo e qualquer tipo de violência presente no espaço social.




PEDRO OLIVEIRA / NOTURNO

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