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domingo, 30 de agosto de 2020

O domínio patriarcal presente no sistema judicial brasileiro

No dia 16 de agosto de 2020, uma menina de 10 anos foi a um hospital em Recife, Pernambuco para realizar um aborto garantido por lei, uma vez que essa criança foi vítima de estupro e não possuía estruturas físicas e psicológicas para prosseguir com a gravidez. Ademais, além de ter enfrentado uma viagem até a casa de saúde, pois os hospitais no Espírito Santo- lugar em que a garota reside- de maneira totalmente inadequada se recusaram a realizar o procedimento. Ainda, teve que se deparar com um protesto em frente ao setor de saúde em que grupos religiosos se reuniram com objetivo de impedir que a interrupção da gravidez fosse realizada, utilizando de agressões verbais contra a criança e repúdio a equipe médica que fez o processo. 

Em primeira análise, o caso abordado e essa reação relatada acima não é uma exceção de situação na sociedade contemporânea, e principalmente da realidade brasileira. Isso por que, o aborto foge do tipo ideal como afirma Max Weber, ou seja, o referencial construído historicamente pela influência da Igreja Católica na construção do funcionamento organizacional da sociedade e a cultura conservadora como ideia de valor no Brasil, vai contra os princípios de liberdade da mulher enquanto indivíduo capaz de tomar decisões sobre seu próprio corpo, ainda que essa pessoa seja uma criança inserida em grave contexto de vulnerabilidade marcado por abuso sexual e psicológico. 

Assim, a condução da vida é moldada por fundamentos com base em instituições materiais como já falado, mas também imateriais, como a moral e os valores da família tradicional brasileira, e isso se comprova na sociedade contemporânea, pelo próprio fato da criminalização do aborto no Brasil, ser somente liberado em casos particulares, mesmo que isso custe à vida e o psicológico de milhares de mulheres, em sua maioria negras e periféricas. Para tanto, é essencial destacar que além desse panorama, apesar de algumas mulheres encaixarem-se na especificidade em que é permitida a interrupção da gravidez, essas não possuem a efetivação prática de seus direitos, como por exemplo, essa negação dos hospitais em realizar aquilo que é garantido na teoria pela lei, limitando o acesso dessas pessoas e os recursos, além de não serem acolhidas pela sociedade. 

A partir de tal ótica, segundo Weber essa condução da vida implica na dominação presente nas relações sociais, não somente nas diferenças de classes, mas em todas as esferas da sociedade. Nesse caso, a legitimidade do próprio governo brasileiro que desde sua eleição reproduz condutas contra a legalização do aborto, e posturas "pró-feto" junto à valorização da família heteronormativa é um exemplo de domínio as minorias sociais. Entretanto, é necessário afirmar que isso afeta em maior parcela mulheres negras e periféricas que estão em inseridas em condições de vulnerabilidade, resultando em uma misoginia ocasionada pela tentativa de aborto em clínicas que não oferecem segurança adequada para realizar o procedimento, enquanto mulheres brancas com poder aquisitivo conseguem ter acesso a remédios abortivos ou cruzam a fronteira no Uruguai, onde é permitido o aborto. 

Ademais, relacionando com os estudos de Max Weber e com a atuação do Direito nesse cenário, é importante salientar acerca da racionalidade formal e material na perspectiva do aborto e como essa questão se desenvolve em âmbito jurídico. Com base nesse paradigma, o sistema judicial brasileiro por ser baseado na racionalidade formal e por ter tido suas normas e Constituição desenvolvido por meio de um direito voltado para o "tipo ideal" não leva em consideração a necessidade de particularidades que atendam as minorias sociais, e, sobretudo não possui uma linguagem que alcance todos os indivíduos, sendo forma de grupos hegemônicos continuarem a dominar outros grupos. Para tanto, o que comprova isso é o fato do sufrágio feminino no Brasil ter sido conquistado somente em 1930, ou seja, essa exclusão de participação na própria politica representa essa dominação, e uma vez que os indivíduos não conseguem ter acesso ao dialeto do sistema jurídico pela linguagem rebuscada, e a própria falta de espaço e representatividade, a comunicação torna-se uma forma de colocar-se acima de outros. 

Portanto, é necessária uma modificação no modo em que é conduzido o sistema judicial para que a própria linguagem jurídica não seja um impasse que contribuía para uma dominação que causa a desigualdade e prega pela meritocracia. Logo, é tão fundamental essa transformação para que casos como esse de uma criança de 10 anos e mulheres não tenham seus corpos controlados por falta de acesso e amparo jurídico, ainda frisando o acontecimento da menina que sofreu repúdio de conservadores, é ainda maior a necessidade de assistência e combate para que a cultura do estupro construída desde os processos de miscigenação no Brasil deixe de se perpetuar na contemporaneidade.

                                 

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