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domingo, 23 de outubro de 2016

Transexualidade: entre o direito formal e material e uma decisão judicial

Em 2013, no Brasil, uma decisão judicial representou um grande avanço para os direitos dos transexuais. O juiz Fernando Antônio de Lima, na vara do juizado especial da fazenda pública da comarca de Jales, deferiu, de ofício, a tutela antecipada para que a parte-autora conseguisse a realização de seus três pedidos: a cirurgia para a mudança de sexo (que deveria ser feita pelo SUS), a alteração do nome e correspondente alteração nos documentos pessoais e a alteração no registro civil para constar não mais o sexo masculino, e sim o feminino, sendo que não poderia constar em nenhum documento e no registro civil que a alteração se deu por força judicial.
Entrando no campo jurídico, temos que o direito à identidade configura um direito fundamental e também um direito humano. Esse direito à identidade do transexual não vem expresso no catálogo dos direitos fundamentais no art. 5º, parágrafo segundo, da CF. No entanto, há uma abertura deste catálogo, podendo existir direitos implicitamente positivados, que surgem da dedução de um novo direito fundamental. Quanto ao direito dos transexuais realizarem a cirurgia de transgenitalização, no choque entre os direitos fundamentais, temos o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, onde há a proibição de excesso e proibição de proteção insuficiente (omissões constitucionais). Sendo assim, o Estado deve garantir esse direito fundamental aos transexuais.
Analisando o pensamento de Weber, notamos a dualidade entre a racionalidade formal e a material. Para o sociólogo, a racionalidade formal no direito seria a que se estabelece mediante caráter calculável das ações e seus efeitos (dentro da norma), um direito puro que não sofreu influências externas. Já a racionalidade material no direito é a que leva em conta valores, exigências éticas e políticas, ou seja, é pensar nos aspecto social na norma. Desta forma, para Weber, no campo do direito, a dinâmica da racionalização vai do “material” ao “formal”. Tal aspecto é perceptível na decisão do juiz favorável a transexual, já que a sentença leva em conta o direito a liberdade e a felicidade do indivíduo, pensa em suas necessidades reais dentro de uma sociedade, ou seja, pensa no direito material e não apenas no formal(que seria seguir estritamente a norma). Dentro desta questão, podemos levantar ainda o ponto de que o transexualismo é tido como uma patologia, sendo assim, o art. 13, CC, no qual em caso de exigência médica pode fazer-se uma cirurgia, mesmo que esta implique na diminuição da integridade física, justificaria a cirurgia. Obviamente isto é um ponto positivo, já que é favorável ao direito da cirurgia ser feita pelo Estado. No entanto, é necessário uma crítica, já que como observado, é importante a influência do direito material no formal, assim, não devemos tratar como enfermidade aquilo que na verdade é um problema social. O transexualismo é um modo de ser de algumas pessoas, e o sofrimento dos transexuais está intimamente ligado com o preconceito que eles enfrentam dentro da sociedade e a falta de oportunidades. Portanto, tratar o transexualismo como patologia é adequar isto dentro da norma, seguir o direito formal, quando na verdade a justificativa para a cirurgia deveria ser social e não patológica.
Além disso, quando Weber fala no espírito do capitalismo, ele apresenta a racionalização jurídica, ou seja, estruturas do direito e da administração como molas mestras da racionalidade capitalista. Percebemos isso na questão do transexualismo, onde no mundo capitalista, a sociedade tecnológica molda os indivíduos e institui um padrão de família e um padrão sexual a ser “seguido”, não respeitando a diversidade sexual e propagando assim ideias conservadoras e o preconceito e exclusão dos que se diferem desse padrão. Assim, o direito formal acaba sendo utilizado pela classe dominante para padronizar esse comportamento. Destacando, desta forma, a importância de decisões como a do juiz em favor da transexual, que quebram esse padrão e trazem o direito material para o formal.  
Outro ponto da teoria de Weber é o tipo ideal da racionalidade do direito. Para ele “o direito objetivo vigente deve constituir um sistema ‘sem lacunas’ de disposições jurídicas ou conter tal sistema em estado latente”, ou seja, segundo o autor, o direito deveria ser rígido, não havendo espaço para modificações e adequações com a realidade. No entanto, pode-se fazer ai uma crítica, na medida em que justamente essas lacunas que abrem espaço para uma adequação do direito ao material, social, como o caso do direito dos transexuais, em que o juiz buscou entender a realidade social destes e não apenas a norma.
Enfim, observamos a grande importância de trazer a racionalidade material para a formal dentro do campo do Direito. A decisão judicial que busca adequar o direito com a realidade social, como o que o juiz foi favorável à cirurgia de mudança de sexo, de alteração do nome e documentos e do registro civil, é um dos exemplos. Além disso, temos como exemplificação também o DECRETO Nº 8.727, DE 28 DE ABRIL DE 2016, assinado pela Presidenta Dilma Rousseff, que dispõem sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis ou transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Em suma, esses casos demonstram o que Weber nos apresentou quanto ao direito entre o formal e o material e são grandes avanços para o direito dos transexuais em nossa sociedade. 


 Ana Paula Mittelmann Germer- Direito noturno

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