O julgado referente à transexual que pleiteava a cirurgia de mudança de sexo, além da alteração do prenome e do gênero sexual, revela a dificuldade, a negligência e o preconceito ainda existentes em relação a esse assunto. Trata-se de um caso em que a parte-autora não se identifica, psicologicamente, com o gênero sexual presente em seu corpo e, por conta disso e das consequências psicológicas dessa não identificação, requer que sejam atendidos os pedidos supracitados.
Os meios utilizados para comprovar sua situação foram laudos psicológicos e atestados psiquiátricos mostrando sintomas depressivos com tendências à automutilação. Para o Conselho Federal de Medicina, tais sintomas caracterizam o desvio psicológico permanente de identidade sexual, considerado uma patologia, condição necessária para se obter a cirurgia de mudança de sexo sem que enseje dano ilícito à integridade física. A necessidade de enquadramento em uma "patologia" para se ter acesso à cirurgia demonstra o preconceito com essas pessoas. Felizmente, o Conselho Federal de Psicologia considera essa situação apenas como uma forma de ser, e não mais uma doença.
A transexual recorreu a tratamento psicológico e relatou ao Ministério Público te-lo iniciado no Hospital de Base de São José do Rio Preto (SP), que confirmou ser o procedimento destinado à realização da cirurgia no futuro. Entretanto, o Hospital não mais se prestou a continuar o tratamento, e nem a realizar a cirurgia, mediante alegação de falta do convênio com o SUS (além de não encaminhá-la para outro hospital que poderia fazer esse convênio). Esse comportamento do Hospital materializa a negligência e a dificuldade em se conseguir o procedimento de transgenitalização. Por fim, a decisão do Tribunal foi no sentido de autorizar a realização dos três pedidos, passando a cirurgia a ser feita em São Paulo.
Vale recordar os conceitos de Weber sobre PODER e DOMINAÇÃO. Para ele, poder consistia na possibilidade de a vontade de um sobrepor a vontade de outro, de forma impositiva, mesmo contra resistência. O comando, aqui, não é necessariamente legítimo. Já a dominação é a probabilidade de um senhor contar com a obediência dos que, em tese, devem obedecê-lo. A obediência, neste caso, fundamenta-se no conhecimento das ordens que lhes são dadas. No caso acima relatado, a ausência de fornecimento dos meios necessários para proteger o bem jurídico "identidade" mostra o poder do Estado sobre a intimidade da pessoa, de forma que a impossibilidade de realização da cirurgia determinada pelo Hospital foi uma imposição ilegítima e não fundamentada que encontrou resistência da parte em desvantagem. Nota-se que dominação, para Weber, não tem sentido negativo.
Ressalta-se também a noção weberiana de AÇÃO SOCIAL, que é um comportamento humano ao qual o ator atribui um sentido e, de acordo com esse sentido, se relaciona com o comportamento de outras pessoas. A forma de organização da ação social é a RELAÇÃO SOCIAL, que existe quando o sentido atribuído a cada ator se relaciona com as atitudes do outro, sendo suas ações mutuamente orientadas. Um dos meios de se obter a regularidade da relação social seria o Direito. Essa regularidade, a priori, padronizaria a sociedade ao orientar todos os comportamentos para um mesmo sentido. Entretanto, para Weber, não era possível a existência de normas gerais aplicadas a todos da mesma forma, devido a complexidade de cada um. Defendia a "leis causais", com base científica e enaltecendo a individualidade. O foco, portanto deveria ser no indivíduo, e não no conjunto. No caso da transexual, o Direito atuou no sentido de permitir que a ação querida pelo autor fosse realizada ao modificar o comportamento do Estado, passando este a agir com orientação mútua em relação à transexual. Ambas as partes agiram no mesmo sentido. Considerou-se a individualidade da transexual, o que possibilitou a proteção da identidade da parte.
Em suma, denota-se de tudo isso a importância de salvaguardar os direitos humanos, que permitem ao indivíduo ter uma existência autêntica, independente do lugar que ocupa na organização racional. Permite que se explore e enalteça a individualidade de cada um e que não se condene a forma de ser de ninguém. O respeito às complexidades de cada ser humano é necessário ainda hoje, em contraposição à padronização da sociedade, e a relação social de Weber deve ser aplicada no sentido de aumentar a empatia social e garantir a efetividade dos direitos fundamentais.
Marina Araujo da Cunha, 1º ano, Diurno.
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