“Quantas vezes
não ignoramos o detalhe das obrigações que nos incumbe desempenhar, e
precisamos, para sabê-lo, consultar o Código e seus intérpretes autorizados! Assim
também o devoto, ao nascer, encontra prontas as crenças e as práticas da vida
religiosa; existindo antes dele, é porque existem fora dele. [...] o sistema de
moedas que emprego para pagar dívidas, os instrumentos de crédito que utilizo
nas relações comerciais, as práticas seguidas na profissão [...] possuem a
propriedade marcante de existir fora das consciências individuais” (DURKHEIM,
As Regras do Método Sociológico, p.3).
É
com essa descrição que Durkheim define o que é FATO SOCIAL, ainda na época do
Neocolonialismo, em que ciências sociais como a Antropologia eram usadas à
favor da dominação dos povos Europeus sobre africanos e asiáticos. Sua definição
de fato social e sua ciência positivista, assim, se opunham às ideologias etnocêntricas,
valorizando o estudo e a análise em campo das sociedades e das culturas como
elas eram, com suas particulares funcionalidades. A mais famosa frase, por exemplo,
que define o fato social “ é toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível de
exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior” determina como, de maneira coercitiva, geral e exterior, certos fatos e comportamentos são
impostos às sociedades como um todo e, dessa forma, dependendo dos aspectos
culturais, certamente as maneiras de agir serão diferentes, o que caracteriza a
pluralidade humana.
O
mais interessante é que, mesmo tendo sido definido há séculos, a ideia do fato
social permanece atual e pode ser
exemplificada por elementos modernos perceptíveis. O mais simples e fácil de
ser observado deles é a educação recebida pelas crianças que, usando a
expressão de John Locke “são tábulas rasas”, sem crenças, tendências, nem opiniões
e que, aos poucos, são “domesticadas” a comerem, beberem e dormirem em horários
apropriados, a respeitarem conveniências e a manterem hábitos higiênicos que
não são próprios da sua natureza ou vontade. Esse exemplo torna-se mais claro
ao verificar-se a história das “Meninas Lobo”, estudadas pela Antropologia, que
cresceram junto com uma alcateia e adquiriram os uivos, a alimentação, os
hábitos noturnos e a movimentação quadrúpede típica desses caninos.
Além
disso, outro comprovante da coercitividade dos fatos sociais está presente na
obra do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, Modernidade Líquida. No livro, o
autor apresenta como na pós-Modernidade as relações sociais se tornaram mais
volúveis e frágeis, como consequência da rapidez e inconstância nas relações de
trabalho, das informações velozes do mundo globalizado e das facilidades das
redes sociais. Dessa forma, o sociólogo demonstra que, os seres humanos se
tornaram “fluidos”: ajustam-se a todas as medidas sem tomarem forma definida e,
ao menor sinal de risco, “escorrem” diante dos compromissos e dos pactos
sólidos.
Assim,
percebe-se que o fato social proposto por Durkheim é extremamente atual seja nos comportamentos sociais que adota-se
para ser aceito, seja nas relações sociais, seja nas imposições feitas pela
indústria cultural, ou mesmo na literatura, quando diante de obras como 1984 de
George Orwell, o fato social apresenta-se na forma do Grande Irmão, que
padroniza comportamentos, expectativas, produções e até sentimentos, mais uma
vez geral, coercitivo e exterior às vontades humanas. E, dessa forma,
perpetua-se a sociedade que, sem saber como ou por que, nasce reproduzindo as
crenças religiosas, o uso das moedas, o comportamento social e o mesmo – triste
– pensamento unificado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário