Cotidiano –
Chico Buarque (1971)
Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã
Todo dia
ela diz que é pra eu me cuidar
E essas coisas que diz toda mulher
Diz que está me esperando pro jantar
E me beija com a boca de café
E essas coisas que diz toda mulher
Diz que está me esperando pro jantar
E me beija com a boca de café
(A rotina é a forma conjunta dos fatos sociais. O modo
como ações tornam-se hábitos automáticos, a exemplo do horário no qual o
eu-lírico desperta e o tomar café no desjejum para ir trabalhar, explicitam toda
uma cultura pré-existente seguida sem sequer ser questionada: os moldes
industrial-capitalistas vigentes no “Milagre Econômico”. Além disso, o modelo
patriarcal no qual a sociedade brasileira estava, e ainda está inserida,
representa a coerção na exigência da mulher exercer o papel de dona-de-casa e
dedicar-se integralmente ao marido, enquanto este é o responsável por promover
a renda familiar).
Todo dia
eu só penso em poder parar
Meio dia eu só penso em dizer não
Depois penso na vida pra levar
E me calo com a boca de feijão
Meio dia eu só penso em dizer não
Depois penso na vida pra levar
E me calo com a boca de feijão
(O indício de resistência ao cotidiano é sucedido instantemente
pela auto repreensão: a necessidade de restabelecimento da norma se dá pela impossibilidade
de se seguir outro modelo de vida. Os deveres do eu-lírico como homem, marido e
cidadão são inerentes ao mesmo, suspendendo qualquer tipo de comportamento
libertino que não atenda a demanda imposta por esses).
Seis da
tarde como era de se esperar
Ela pega e me espera no portão
Diz que está muito louca pra beijar
E me beija com a boca de paixão
Ela pega e me espera no portão
Diz que está muito louca pra beijar
E me beija com a boca de paixão
Toda noite ela diz
pra eu não me afastar
Meia-noite ela jura eterno amor
E me aperta pra eu quase sufocar
E me morde com a boca de pavor
Meia-noite ela jura eterno amor
E me aperta pra eu quase sufocar
E me morde com a boca de pavor
(O casamento representa o sucesso do
poder de coerção de duas instituições: o Estado e a Igreja. Mesmo aparentemente
individualizado, a união entre um homem e uma mulher é a reprodução de um
modelo coletivo extremamente padronizado. Ou se pode dizer que na década de 70 ser mãe solteira ou
homossexual é algo digno de honrarias militares?).
Giulia Dalla Dea Vatiero
1º ano - Direito Diurno
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