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sábado, 7 de março de 2020

O limiar da racionalidade

 Quando tive a noção última do que eu era, enfim soube que nunca foi o método a minha paixão. Só então desvinculado da engenharia dos meus costumes e jogado à rua compreendi o vazio de vida. E foi esse o motivo do meu sofrimento. Pois é claro que não posso estar certo de tudo, e ser a única certeza aquela alcançada por princípios e validada pela experiência e por matemática. Além do meu escritório, a vida não é matemática e não tem um só risco ortogonal da geometria. Apenas sombras incógnitas. Assim é que saí ao mundo e me deparei com um cachorro morto à rua de casa. Nunca entendi o que nasceu em mim após isso. Talvez uma descrença ilimitável, descrença à minha construção, pois tenho em mim a epistêmica do conhecimento, a dúvida que me motiva a trabalhar meu intelecto e lógica. Creio nisso a ponto de neutralizar a lágrima que me escorre ao rosto? Pois morrer não tem sentido, não há fórmula para a física disso, nem para lhe explicar a tão incerta natureza. E assim mesmo, se não me atrapalha o incerto, atrapalha-me o sono e a miséria de conhecer. Espantei-me por, de repente, haver cachorros e morte unidos em uma sentença. De fato, uma questão ilógica em que me despi de minha racionalidade, espaço vago em que não me pude achar nos preceitos modernos que cria seguir. Não cheguei a analisar o corpo a ponto de entender o que lhe havia acontecido: eu tive medo e fugi, tão desprezível estava, pela primeira vez.
 Se segui fielmente os princípios cartesianos, e até mesmo de Bacon (lembro-me das bases que me alçaram ao voo científico), isso foi de coragem minha. Tive a ousadia de analisar, perceber e modificar a realidade que a mim se me era apresentada. Partindo do racional e dedutivo, do caráter empirista de minha engenharia, os experimentos laboratoriais e a certeza consolidada das coisas mais gerais explicava corretamente o particular de cada questão. E então, sem o meu trabalho, criavam-se outras tantas, pois eu ali seguia fielmente uma análise metodológica nítida e distinta (e logo verdadeira, como afirmava Descartes, em seus quatro princípios). O pensar mecânico a tem como instrumento para a verdade. Só então percebi que meus sonhos eram engrenagens. E aqui o que proponho é exibir um questionamento em que até então eu não me apoiava, pois fora de mim não era necessário. Mas há sempre mais no íntimo, e às vezes a vontade corrompe tudo o que foi trabalhado com razão e frieza. Quanta certeza tinham os pensadores disso. O meu particular era muito maior que qualquer coisa. E isso eu não percebia até que vi a morte de perto, morte insignificante, morte pequena. As pequenas coisas se relacionam até alcançar meu inerte coração. E lhe deveria dar algum grau de atenção? Se o fizesse, fá-lo-ia frio, exterior e separaria suas batidas entre sua utilidade e propósito? Elas surgem de mim descompassadas, não há racionalismo ou empirismo que as signifique. Aqui exemplifico erros científicos, se contasse isso aos meus discentes, diria que errei e tenho errado tanto. Entretanto, ei-los, meus sentimentos, minha compaixão pelo inevitável destino, que me invalida inteiro e até reduz todas as minhas “Interpretações da Natureza” a pó.
 Seriam esses os meus ídolos?

Lucas Rodrigues Moreira - Direito diurno

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