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sábado, 7 de março de 2020

Estou certo de algo?

O homem, em todas as sociedades e em todos os tempos, busca ter conhecimento e, consequentemente, a certeza. Qual tipo de conhecimento? Aqueles que lhes for útil para dominar a tudo que lhe for possível, seja a natureza, seja o corpo humano ou até mesmo o próprio homem. Mas quando que o homem passou a se interessar tanto pelo conhecimento? Sempre, apesar de possuir diferentes objetivos, o conhecimento sempre representou uma ferramenta de poder e de controle.
É difícil imaginar, no entanto, que a ciência como conhecemos hoje tenha sido aplicada a milhares de anos atrás da mesma forma. Obviamente que o método científico foi aplicado de formas distintas, mas possuíam o objetivo de compreensão para que houvesse o controle. Podemos usar, por exemplo, as sociedades nômades do período paleolítico, que, apesar de não usufruir de tanta tecnologia, tinham que estudar o comportamento dos animais para a caça, ou conhecer os frutos do território para não pegarem algo venenoso. Querendo ou não, tal prática requer conhecimento e estudo dos comportamentos animais e as características vegetais das regiões pelos quais passavam. Após a revolução Neolítica, o homem teve que estudar, de forma muito mais intensa, a flora e fauna, visto que, quando a agricultura fora inventada, a fisiologia vegetais e dos animais deveriam ser compreendidos para, respectivamente, a manutenção de plantações e para a domesticação. Enfim, ao longo da história, há inúmeros exemplos de como a ciência fora aplicada sem a aplicação de um método específico.
O que sabemos é que tais estudos funcionaram, e as técnicas desse período conseguiram sustentar civilizações, tanto a europeia, como outras externas. E tais métodos se baseiam na captação sensorial aliada ao raciocínio lógico. De forma extremamente simples e sem levar em consideração outros aspectos, se eu vejo uma semente caindo na terra molhada e, depois de certo tempo, uma planta nasce no mesmo local, eu devo supor que os dois fenômenos estão ligados. Mas e se tal informação não fosse captada? E se, outro exemplo fútil, eu acreditasse que na verdade o que dá origem a outras plantas fossem as fezes dos pássaros, e não as sementes? Seria possível que nunca tivesse existido a agricultura.
Lembro-me do filme Matrix (1999), logo na cena inicial, em que Morpheus, um homem que revela ao protagonista Neo que sua vida não passava de uma simulação de computador, pergunta ao herói o que ele considera “real” e afirma que, se o que ele considera real é aquilo que se pode sentir, cheirar, provar e ver, então real não passa de sinais elétricos interpretados pelo cérebro humano. O filme, ainda que possui forte vínculo com a ação e violência, trata de uma reflexão feita por Platão no mito da caverna, mostrando-nos como nossos sentidos podem ser falhos e acabam apenas nos afastando da verdade. Foi seguindo tal raciocínio que René Descartes escreveu O discurso do método (1637), em que o autor nega a validade do empirismo para a produção de conhecimento, afirmando que o bom senso é a única ferramenta confiável.
Mas será que a razão humana é tão digna de fé assim? Ou na verdade nossa mente que é extremamente falha? O antropólogo Roque de Barros Laraia, ao estudar a cultura e seu impacto nas sociedades na obra Cultura (1986), afirma que diferentes etnias possuem visões de mundo distintos e, portanto, possuem lógicas e raciocínios distintos. Como se pode alcançar a verdade através da razão de cada indivíduo possui uma razão diferente e única? Francis Bacon adota tal desconfiança na obra Novum Organum (1620), afirmando que a mente humana é dotada de vários ídolos que atrapalham na busca pela verdade, e que a única forma da mente humana ser limpa e curada é livrando-se desses vícios.
Ora, se a razão e os sentidos não são confiáveis, como vamos descobrir a verdade se as duas únicas ferramentas não são dignas de fé? Voltemos ao exemplo da agricultura. Como descobrimos, na conquista no conhecimento de botânica para as plantações na pré-história, ou no estudo do comportamento animal para a caça e domesticação, enfim, todos os conhecimentos são considerados verdadeiros simplesmente porque cumpriram seu objetivo. São verdadeiros? Talvez, preferimos acreditar que são porque estamos produzindo tecnologia baseando-se em conhecimentos passados. Mas há certeza absoluta no que já conquistamos?

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