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quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Reforma Agrária e entendimento jurídico: pluralismo x colonialismo

Sara Araújo, em seu texto “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone”, desenvolve importante crítica acerca do direito moderno eurocêntrico como reprodução do colonialismo, propondo novas estratégias jurídicas, dentre as quais se destaca o pluralismo. Este, segundo defende, viria como um instrumento de descolonização no âmbito jurídico, visando princípios tais como a verticalidade, a provincialização e a ecologia dos saberes legais.
Permito-me associar a tais considerações a questão da reforma agrária no Brasil e seu tratamento em âmbito jurídico. É fato que, historicamente, a distribuição de terras primou, desde o início da colonização, pela concentração de grandes áreas nas mãos de uma pequena classe privilegiada. Tal lógica é estruturante na construção de um Estado e de uma justiça elitistas que sempre estiveram aliadas à legitimação da má distribuição de terras no país, servindo como instrumentos de garantia de posse aos grandes proprietários. A perpetuação desse sistema no pós independência reflete, como pontua Araújo, o legado do colonialismo jurídico, pautado em exclusões sociais abissais e na imposição global do primado de um direito capitalista e neoliberal.
Contra isso, surgem no Brasil forças de luta pela reforma agrária, como o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), fundado no século XX como um dos maiores contestadores da lógica de concentração de terra no país. Essa questão, no entanto, por inferir diretamente num sistema de privilégios enraizado desde o início do processo de colonização brasileira, gera grande desconforto e incômodo àqueles que temem a perda de suas propriedades (ou das quais acreditam serem donos). Por isso, a justiça brasileira se divide entre aqueles que reconhecem a importância do Movimento e a ele conferem caráter legítimo e legal, e aqueles que insistem em reproduzir a lógica colonial de concentração fundiária, defendendo cegamente o direito inviolável à propriedade privada acima dos direitos sociais.
Como exemplo dessa polêmica está o caso da Fazenda Primavera, encerrado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que negou provimento ao agravo regimental de reintegração de posse aos fazendeiros. Nos votos contrários ao provimento, observa-se uma linha de argumentação pautada na defesa da função social da propriedade, e no uso do direito como defensor do equilíbrio social e segurança das populações pobres do campo, as quais teriam direito à terra e à produção de alimento. Tais ideias se relacionam com Araújo na medida em que pensa fora da dicotomia de caos e ordem, abrangendo o entendimento dos movimentos sociais de luta pela reforma agrária como um discurso jurídico proveniente do povo, o que deve ser considerado na lógica do pluralismo jurídico, que considera a justiça informal como instrumento de estabilização do estado de direito.
Já a argumentação pelo deferimento da liminar, dialoga com o que Araújo entende como direito supranacional capitalista. Este não entende a vida como social, mas prima pelo viés econômico que inviabiliza o que é local ou particular pela lógica de sufocamento da escala global. Desta forma, vai de desencontro ao entendimento do direito como emancipatório, atrelando-se ainda à lógica colonial na monocultura jurídica, ou seja, contrária ao pluralismo. 

Carolina Juabre. 
Direito Matutino 

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