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quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Ecologia do saber e realidade


    A autora Sara Araújo, em sua obra “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone” aborda como o direito pode liberta-se da monocultura do saber. Essa monocultura manifesta-se de várias formas, como por exemplo a padronização da produtividade, baseada nos valores norte-americanos. A partir dessa imposição da razão metonímica, ou seja, a racionalidade do saber de uma parte do mundo (Norte) como algo global, há uma legitimação do modelo dominante, o qual exclui outras formas de entender o direito.
    No texto é proposto um pluralismo jurídico, que reconheceria a pluralidade e o desenvolvimento das Epistemologias do Sul, as quais compreendem outras realidades e outros saberes. Dessa forma, essa nova compreensão do campo jurídico pode ser observada em decisões dentro dos tribunais brasileiros.
    O Agravo de Instrumento nº 70003434388 é um exemplo dessa ecologia dos saberes, proposta por Sara Araújo. O recurso foi interposto pelos donos de uma fazenda em Passo Fundo/RS, cuja propriedade fora integrada ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. De acordo com os agravantes, sua propriedade fora invadida no mês de outubro daquele ano (2001) e era produtiva. Para comprovar a produtividade, foram apresentados os impostos pagos pela fazenda.
O relator do caso, Des. Carlos Rafael dos Santos Júnior, justificou seu voto baseado na função social da propriedade, que a fazenda não cumpria.

“Todavia, o Juiz, como intérprete da norma jurídica, com a função de dar vida concreta ao preceito abstrato, cabe extrair do direito positivo sua verdadeira concepção teleológica, adequando-o a cada fato concreto que lhe venha a ser submetido.” (p.4)

    Nesse trecho, o argumento do Desembargador pode ser fortemente relacionado ao texto de Araújo, pois o sistema jurídico brasileiro é baseado no Norte, em uma interpretação jurídica tradicional e não analisa adequadamente a realidade do país. Dessa maneira, questiona-se qual seria a ideia de produtividade que os agravantes e o ordenamento tem?
   O relator considerou que os autores não demonstraram o grau de utilização e eficiência de exploração da área, assim como o revisor, Des. Mário José Gomes Pereira. Este afirmou que o conteúdo da função social da propriedade está na Constituição Federal e que os agravados cumpririam com o dever da propriedade.
   Portanto, compreender as bases dos conceitos como o de produtividade podem auxiliar na reconstrução de velhos conceitos e libertação da monocultura do saber. Analisar a realidade do país e por meio da reconstrução e recuperação do ordenamento jurídico, baseado na necessidade de cada região, é essencial para romper com a razão metonímica e o modelo imposto.


Beatriz Falchi Corrêa - matutino

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