A
autora Sara Araújo, em sua obra “O primado do direito e as
exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone”
aborda como o direito pode liberta-se da monocultura do saber. Essa
monocultura manifesta-se de várias formas, como por exemplo a
padronização da produtividade, baseada nos valores
norte-americanos. A partir dessa imposição da razão metonímica,
ou seja, a racionalidade do saber de uma parte do mundo (Norte) como
algo global, há uma legitimação do modelo dominante, o qual exclui
outras formas de entender o direito.
No
texto é proposto um pluralismo jurídico, que reconheceria a
pluralidade e o desenvolvimento das Epistemologias do Sul, as quais
compreendem outras realidades e outros saberes. Dessa forma, essa
nova compreensão do campo jurídico pode ser observada em decisões
dentro dos tribunais brasileiros.
O
Agravo de Instrumento nº 70003434388 é um exemplo dessa ecologia
dos saberes, proposta por Sara Araújo. O recurso foi interposto
pelos donos de uma fazenda em Passo Fundo/RS, cuja propriedade fora
integrada ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. De acordo com os
agravantes, sua propriedade fora invadida no mês de outubro daquele
ano (2001) e era produtiva. Para comprovar a produtividade, foram
apresentados os impostos pagos pela fazenda.
O
relator do caso, Des. Carlos Rafael dos Santos Júnior, justificou
seu voto baseado na função social da propriedade, que a fazenda não
cumpria.
“Todavia, o Juiz, como intérprete da norma jurídica, com a
função de dar vida concreta ao preceito abstrato, cabe extrair do
direito positivo sua verdadeira concepção teleológica, adequando-o
a cada fato concreto que lhe venha a ser submetido.” (p.4)
Nesse trecho, o argumento do Desembargador pode ser fortemente
relacionado ao texto de Araújo, pois o sistema jurídico brasileiro
é baseado no Norte, em uma interpretação jurídica tradicional e
não analisa adequadamente a realidade do país. Dessa maneira,
questiona-se qual seria a ideia de produtividade que os agravantes e
o ordenamento tem?
O relator considerou que os autores não demonstraram o grau de
utilização e eficiência de exploração da área, assim como o
revisor, Des. Mário José Gomes Pereira. Este afirmou que o conteúdo
da função social da propriedade está na Constituição Federal e
que os agravados cumpririam com o dever da propriedade.
Portanto, compreender as bases dos conceitos como o de produtividade
podem auxiliar na reconstrução de velhos conceitos e libertação
da monocultura do saber. Analisar a realidade do país e por meio da
reconstrução e recuperação do ordenamento jurídico, baseado na
necessidade de cada região, é essencial para romper com a razão
metonímica e o modelo imposto.
Beatriz Falchi Corrêa - matutino
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