Sara Araújo nos coloca em contato com uma reflexão, ainda
que extremamente pertinente, pouco difundida no meio jurídico. A autora, no
artigo “O primado do Direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos,
desafiar o cânone” apresenta o Direito moderno como reprodução do colonialismo
e do pensamento eurocêntrico, no qual importa-se os ideais das epistemologias
do Norte e os impõe numa realidade diversa. Faz-se necessário, portanto, o
reconhecimento da pluralidade jurídica e da ecologia de saberes como forma de
driblar o imperialismo jurídico que ainda reina sobre os sistemas do Sul.
À luz do pensamento da autora, foi proposta a análise do
agravo de instrumento nº 70003434388, que teve o provimento negado. Os
agravantes visavam à reintegração de posse de uma propriedade que foi tomada
por trabalhadores do Movimento Sem Terra (MST). A principal discussão no
determinado agravo foi a necessidade da investigação acerca da função social da
terra, designada na lei nº 4504/64.
Esse conceito da função social perpassa pela produtividade
do terreno em questão, determinada também nos autos da lei supracitada.
Contudo, não seria a determinação de produtividade importada do pensamento
colonialista do Norte?
No processo, os
agravantes afirmam que a terra em questão era produtiva, porém impediram
visitas dos órgãos técnicos e não apresentaram documentos suficientes para
provar a máxima. Desse modo, os desembargadores decidiram a favor do movimento,
por julgar que a terra não cumpria a função social, corroborando a tese de que
a mesma estava improdutiva e, ao servir de área de assentamento, poderia
cumprir sua função social.
A decisão do agravo representa a concretude do desafio ao
cânone proposto por Sara Araújo, uma vez que adapta a lei à realidade do Sul,
onde infelizmente ainda se tem um sistema latifundiário que concentra as terras
do país, em sua maioria voltada à plantios para exportação. Contudo, a
jurisprudência, quando se trata do tema dos movimentos sociais rurais, se expressa contrariamente ao que foi exposto, demonstrando que ainda temos um longo caminho para
contornar o mito ocidental do progresso e as consolidadas instituições
colonialistas que influenciaram e continuam influenciando os sistemas jurídicos
do Sul.
Julia Martins Rodrigues (1º ano- diurno)
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