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quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Uma nova epistemologia para a contemplação da função social da propriedade

    Após ter a liminar reintegratória negada por decisão judicial, os proprietários agrícolas Plínio Formighieri e Valéria Dreyer Formighieri interpuseram um agravo de instrumento (Nº 70003434388) contra a mesma, alegando mais uma vez a produtividade da terra ocupada por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, exigindo assim a reintegração de posse. Por maioria (2 votos conta 1), os Desembargadores da Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado negaram o provimento do agravo.
      Baseando-se nos artigos previstos e nos princípios implícitos na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil de 2002, os Desembargadores Carlos Rafael dos Santos Junior e Mário José Gomes Pereira enfatizaram convictamente em seus votos a importância da função social da propriedade, justificando a ocupação de indivíduos que deverão ter a oportunidade de desenvolver as próprias atividades, ganhando o seu sustento e abastecendo o mercado ao tornar o local genuinamente produtivo, um contraponto atrativo contra a ociosidade da terra e a possível especulação feita sobre seu valor.
      Dessa forma, o conceito de função social, já presente em lei no Brasil há décadas, antes mesmo da vigente Constituição, e cada vez mais reforçado pela doutrina e pela jurisprudência, é correspondente com as ideias da jurista Sara Araújo, encontradas na obra "O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone": contemplar grupos desamparados pela sociedade através do Direito quebra com sua razão metonímica, isto é, ir além da visão do mero direito de posse de propriedade privada primordialmente definida; além disso, visa-se em tais decisões a observação perspicaz da realidade local brasileira, marcada pela grande desigualdade socioeconômica, adotando-se uma "epistemologia do Sul" (dos países menos desenvolvidos e de democracia ainda em processo de consolidação) quando há necessidade de determinar soluções únicas para problemas específicos e demonstrando, portanto, a existência de uma legalidade cosmopolita subalterna, pois não se abandona completamente o "direito universal" fortemente enraizado na "epistemologia do Norte" (dos países ricos e colonialistas do passado), ponderando-se com os direitos da propriedade privada e liberdade (ou não-intervencionismo estatal) ao mesmo tempo em que se estabelecem "pontos finais" em questões complicadas.
       É passível de discussão os métodos utilizados pelos grupos para dar início à invocação de seus processos, chocando-se com os interesses de outros indivíduos e originando conflitos vorazes de ordem jurídica e principalmente física (presença da violência) recorrentes no país (um dos pontos observados pelo Desembargador Luís Augusto Coelho Branca, único a votar favorável ao provimento do agravo), porém espera-se que, futuramente, normas e suas consequentes aplicações práticas possam garantir um cenário mais pacífico e com resultados frutíferos, não deixando de se desagarrar das "monoculturas" geradas a partir do "Norte" e indo em contemplação da ecologia dos direitos e da justiça, sempre buscando concretizá-los com o próprio Direito.   

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