O julgado de 2001 realizado em Passo fundo (Rio grande do Sul) promove uma discussão que se estende por diversas áreas da sociedade. O conflito da terra e sua função social, assim como o processo de reintegração, repercute em um antagonismo entre direitos patrimoniais e pessoais.
Dentro deste conflito é possível visualizar duas vertentes distintas. A primeira visando a promoção da garantia da terra a seus proprietários e a segunda visando a dignidade humana por meio da ocupação de territórios sem função social.
A função social da terra, definida pelo artigo 186,CF/88, afirma que toda propriedade deve executar alguma atividade fim. Ou seja, inviabilizando a utilização da terra que não promove um benefício à sociedade. Dentro desta perspectiva, os proprietários do terreno que foi julgado deveriam perder sua posse, e o Estado promover a reforma agrária. Dessa maneira, os indivíduos que invadiram este terreno estão tomando para si um direito que o Estado falhou em lhe garantir tanto a dignidade humana ao negar uma propriedade e o sustento de dezenas de famílias, quanto o cumprimento da constituição, que assegura a função social da propriedade. Assim, a invasão de indivíduos sem terra apenas garante princípios já estabelecidos pela constituição.
Quando o Estado pondera o conflito de direitos e sobrepõe a propriedade privada acima de direitos pessoas, ele impõe a população a perspectiva de que todos possuem propriedade privada para gozá-la de todo o seu potencial. De acordo com Sara Araújo, igualar todos os indivíduos em uma mesma perspectiva apenas aumenta a desigualdade social já existente. Dessa maneira, a sobreposição da propriedade a direitos pessoais viabiliza a construção e manutenção de um direito que equipara todos os indivíduos tanto socialmente quanto economicamente sob uma mesma ótica. Universalizando o direito e inviabilizando as lutas diárias de grande parte dos cidadãos. Compactuando com a construção de um direito que embasa como principal função a manutenção da propriedade, sendo inspirado pelo direito de regiões ao norte do mundo e impossibilitando a luta pela terra que ocorre em alguns países do sul, que não realizaram de maneira adequada a reforma agrária. Assim, mesmo que um pequeno gesto, como não garantir a reintegração de posse e permitindo que dezenas de famílias possam viver e trabalhar neste espaço, promove uma ruptura com o direito segregador que a partir de uma visão universalista “a lei é para todos” apaga lutas importantes de uma grande parcela da população.
Giovanna Lima e Silva - Direito noturno
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