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sábado, 17 de outubro de 2015

Revoluções da Ordem

Conforme a proposta de atividades da disciplina de Sociologia do Direito, segue-se texto que relaciona o caso julgado com a doutrina de Weber, mais especificamente em “Economia e Sociedade: Fundamentos da Sociologia Compreensiva v. 2”.

O caso julgado trata de uma Ação de Obrigação de Fazer, em que o requerente exige da Fazenda Pública do Estado de São Paulo os custos com cirurgia de mudança de sexo, além de alteração do registro civil para constar novo nome e sexo feminino no lugar do masculino, que hoje se encontra. Relata-se que o requerente nasceu biologicamente em corpo masculino, mas desde sua adolescência se identifica psicologicamente como feminino, buscando, através das vestimentas e tratamento médico (consumo de hormônios) assemelhar-se a tal aparência. Assim iniciou acompanhamento médico no Hospital de Base de São José do Rio Preto, e alega ter sido informado de que em breve seria firmado convênio com o SUS para realização do procedimento de transgenitalização nessa unidade. No entanto, sem maiores explicações o Hospital de base decidiu interromper o atendimento, uma vez que não foi firmado o citado convênio. Em contestação à interrupção a parte-autora ingressou com a ação. Por fim a decisão do juiz de direito foi de que o Estado deveria arcar com os custos do tratamento e providenciar a alteração de registro civil.

A partir da leitura da ação, observa-se que o fundamento jurídico para a decisão não se encontra explícito na legislação brasileira. Ele pode ser justificado por pelo menos duas teorias. A primeira seria o fenômeno de expansão do direito, uma vez que a forma da legislação é mantida, mas aplica-se a novas situações, obviamente não previstas pelo constituinte, mas que são demandas da sociedade. Assim o juiz busca seu embasamento no art. 13 do Código Civil, apontando o direito à disposição do próprio corpo e a exigência médica no caso, visto que o transexualismo é visto por muitos especialistas como patologia, carente de tratamento médico, que inclui a cirurgia. No entanto isso não é consenso, já que na própria redação da sentença, a autoridade alerta para a necessidade de não combater a abordagem dessa situação como patologia, apontando-a como comportamento.

Ainda assim, há uma segunda hipótese que compreende nesse caso a criação de direito, o que é explicado por Weber:

“O direito natural é, por isso, a forma específica de legitimar as ordens revolucionariamente criadas” (p.134)

Utiliza-se do direito natural como justificativa para uma revolução na lei, ainda que “apenas” em forma de nova interpretação. O problema que cerca esse tema, e que representa enorme perigo é o uso do direito natural para justificar decisões a respeito de condutas não previstas em lei. Ora se o Estado brasileiro, em que vige a Constituição Federal de 1988, foi fundado sobre a democracia representativa e a tripartição dos poderes, como pode o Judiciário legislar? É claro que se deve levar em conta a omissão por parte do demais poderes que, por ineficiência, são incapazes de atender todas as demandas sociais, mas isso não pode justificar o desrespeito à Ordem. O temor floresce, pois ao longo da história, inúmeras vezes o direito natural foi usado como justificativa para o exercício do poder das formas mais tirânicas que se possa imaginar. Enquanto democracia, se espera que a população possa, ainda que através de seus representantes, manifestar sua posição em um debate necessário a criação de leis; e ainda exigir do Poder Executivo, também eleito, a criação de políticas sociais que atendam às demandas do povo. Importa ressaltar que nesse caso específico, as consequências não causam danos à sociedade, mas a decisão não deixa de ser menos perigosa por isso. Afinal um fim, por mais nobre que seja, não justifica meios escusos, principalmente por parte de quem deveria ser a boca da Lei.

“Naturalmente, tanto o direito natural formal racionalista da liberdade de contrato quanto este direito natural material da legitimidade exclusiva do produto de trabalho estão fortemente vinculados a determinadas classes” (p. 138)

Aqui vale relacionar o que Weber absorve de Marx em sua teoria. Ele dá continuidade à concepção de que o direito é utilizado pelas classes dominantes como instrumento de dominação. No entanto reconhece que as demandas da sociedade burguesa exigem maior especificidade do direito, assim o nível técnico jurídico é elevado de tal modo a tornar impossível que leigos se apossem dele. Por isso a luta de classes se intensifica de tal modo a forçar a criação (ou expansão) do direito. Desta maneira presencia-se mudanças no direito que atendem a grupos antes ignorados.

Outro aspecto dessa situação, que possui igual ou até maior importância, é a questão social. Pois à sentença segue-se um questionamento da necessidade de o Estado arcar com os custos de um procedimento médico que não visa a cura de uma doença, e sim um comportamento. Vale ressaltar que os sintomas apresentados pelo requerente são decorrentes de uma situação social, extremamente pessoal e de difícil diagnóstico. Há divergências entre os especialistas, visto que muitos que se encontram na mesma situação da parte-autora reivindicam a alteração no registro civil, e ainda, aceitação da sociedade sem que ocorra o procedimento de transgenitalização. Dessa situação pode-se observar que o objetivo principal que especificamente esse grupo busca, no campo jurídico é igualdade de direitos, o já está presente na Constituição. O que lhes falta está no âmbito da sociedade, que é a cultura de aceitação da pluralidade, contra o preconceito. Mas observa-se que muitos outros grupos sofrem, há muito mais tempo essa luta. Como por exemplo os afrodescendentes, que até hoje buscam a efetivação de direitos, o que a lei já garante, mas que não vigoram plenamente por conta das atitudes e íntimo de cada indivíduo, onde a lei não alcança.

Jansen R. Fernandes
Diurno

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