Conforme a
proposta de atividades da disciplina de Sociologia do Direito, segue-se texto
que relaciona o caso julgado com a doutrina de Weber, mais especificamente em
“Economia e Sociedade: Fundamentos da Sociologia Compreensiva v. 2”.
O caso julgado trata de uma Ação de Obrigação de Fazer, em que o requerente exige da
Fazenda Pública do Estado de São Paulo os custos com cirurgia de mudança de
sexo, além de alteração do registro civil para constar novo nome e sexo
feminino no lugar do masculino, que hoje se encontra. Relata-se que o
requerente nasceu biologicamente em corpo masculino, mas desde sua adolescência
se identifica psicologicamente como feminino, buscando, através das vestimentas
e tratamento médico (consumo de hormônios) assemelhar-se a tal aparência. Assim
iniciou acompanhamento médico no Hospital de Base de São José do Rio Preto, e
alega ter sido informado de que em breve seria firmado convênio com o SUS para
realização do procedimento de transgenitalização nessa unidade. No entanto, sem
maiores explicações o Hospital de base decidiu interromper o atendimento, uma
vez que não foi firmado o citado convênio. Em contestação à interrupção a parte-autora
ingressou com a ação. Por fim a decisão do juiz de direito foi de que o Estado
deveria arcar com os custos do tratamento e providenciar a alteração de
registro civil.
A partir da
leitura da ação, observa-se que o fundamento jurídico para a decisão não se
encontra explícito na legislação brasileira. Ele pode ser justificado por pelo
menos duas teorias. A primeira seria o fenômeno de expansão do direito, uma vez
que a forma da legislação é mantida, mas aplica-se a novas situações,
obviamente não previstas pelo constituinte, mas que são demandas da sociedade.
Assim o juiz busca seu embasamento no art. 13 do Código Civil, apontando o
direito à disposição do próprio corpo e a exigência médica no caso, visto que o
transexualismo é visto por muitos especialistas como patologia, carente de
tratamento médico, que inclui a cirurgia. No entanto isso não é consenso, já
que na própria redação da sentença, a autoridade alerta para a necessidade de
não combater a abordagem dessa situação como patologia, apontando-a como
comportamento.
Ainda assim, há
uma segunda hipótese que compreende nesse caso a criação de direito, o que é
explicado por Weber:
“O direito
natural é, por isso, a forma específica de legitimar as ordens revolucionariamente
criadas” (p.134)
Utiliza-se do
direito natural como justificativa para uma revolução na lei, ainda que
“apenas” em forma de nova interpretação. O problema que cerca esse tema, e que
representa enorme perigo é o uso do direito natural para justificar decisões a
respeito de condutas não previstas em lei. Ora se o Estado brasileiro, em que
vige a Constituição Federal de 1988, foi fundado sobre a democracia
representativa e a tripartição dos poderes, como pode o Judiciário legislar? É
claro que se deve levar em conta a omissão por parte do demais poderes que, por
ineficiência, são incapazes de atender todas as demandas sociais, mas isso não
pode justificar o desrespeito à Ordem. O temor floresce, pois ao longo da
história, inúmeras vezes o direito natural foi usado como justificativa para o
exercício do poder das formas mais tirânicas que se possa imaginar. Enquanto
democracia, se espera que a população possa, ainda que através de seus
representantes, manifestar sua posição em um debate necessário a criação de
leis; e ainda exigir do Poder Executivo, também eleito, a criação de políticas
sociais que atendam às demandas do povo. Importa ressaltar que nesse caso
específico, as consequências não causam danos à sociedade, mas a decisão não
deixa de ser menos perigosa por isso. Afinal um fim, por mais nobre que seja,
não justifica meios escusos, principalmente por parte de quem deveria ser a
boca da Lei.
“Naturalmente,
tanto o direito natural formal racionalista da liberdade de contrato quanto
este direito natural material da legitimidade exclusiva do produto de trabalho
estão fortemente vinculados a determinadas classes” (p. 138)
Aqui vale
relacionar o que Weber absorve de Marx em sua teoria. Ele dá continuidade à
concepção de que o direito é utilizado pelas classes dominantes como
instrumento de dominação. No entanto reconhece que as demandas da sociedade
burguesa exigem maior especificidade do direito, assim o nível técnico jurídico
é elevado de tal modo a tornar impossível que leigos se apossem dele. Por isso
a luta de classes se intensifica de tal modo a forçar a criação (ou expansão)
do direito. Desta maneira presencia-se mudanças no direito que atendem a grupos
antes ignorados.
Outro aspecto
dessa situação, que possui igual ou até maior importância, é a questão social.
Pois à sentença segue-se um questionamento da necessidade de o Estado arcar com
os custos de um procedimento médico que não visa a cura de uma doença, e sim um
comportamento. Vale ressaltar que os sintomas apresentados pelo requerente são
decorrentes de uma situação social, extremamente pessoal e de difícil
diagnóstico. Há divergências entre os especialistas, visto que muitos que se encontram
na mesma situação da parte-autora reivindicam a alteração no registro civil, e
ainda, aceitação da sociedade sem que ocorra o procedimento de
transgenitalização. Dessa situação pode-se observar que o objetivo principal
que especificamente esse grupo busca, no campo jurídico é igualdade de direitos,
o já está presente na Constituição. O que lhes falta está no âmbito da
sociedade, que é a cultura de aceitação da pluralidade, contra o preconceito.
Mas observa-se que muitos outros grupos sofrem, há muito mais tempo essa luta. Como
por exemplo os afrodescendentes, que até hoje buscam a efetivação de direitos,
o que a lei já garante, mas que não vigoram plenamente por conta das atitudes e
íntimo de cada indivíduo, onde a lei não alcança.
Jansen
R. Fernandes
Diurno
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