Weber atuou
amplamente na discussão da racionalidade, estabelecendo dois tipos que
interessam ao direito: a formal e a material. A primeira seria a forma bruta,
sem influências ou considerações da realidade. A segunda, o contrário,
considerando tudo aquilo que cerca a vivência humana, principalmente a parte
social. Assim, aplicando essas ideias weberianas no caso da transexualidade,
observamos a forte tendência do direito ao formal, atendendo aos ensejos de uma
sociedade completamente hierarquizada, que representa interesses muito
específicos da classe privilegiada, sem permitir a plena consolidação de
direitos pertencentes, em teoria, aos mais diversos grupos sociais. Como diz o
próprio juiz do caso de Jales (que servirá de parâmetro nesta análise), ao citar
Graciliano Ramos, “o diferente causa estranheza”, por mais que o motivo muitas
vezes não esteja explícito. Seria decorrência, portanto, dessa forma de pensar,
incutida desde os tempos mais primórdios da sociedade contemporânea.
As regras,
seguindo esse raciocínio, não são feitas e não estão claras em relação às
inúmeras ocorrências como a relatada, deixando diversas lacunas que não
deveriam existir, segundo Weber. Há, também, outra problematização na visão do
sociólogo, que é a parcialidade da lei, a qual deveria ser universal, sem
necessidade de especificidades ou medidas tão exaustivas e demoradas como a
apresentada: a parte-autora necessitou por anos buscar amparo no Judiciário
para que pudesse ter sua verdadeira necessidade
de cirurgia de transgenitalização e mudança no registro civil atendida. Verdadeira
necessidade, pois, como diz o juiz, a parte-autora sofria constantes
constrangimentos ao apresentar documentos com sua identidade biológica, já que
havia iniciado desde os 10 anos a mudança, e também por simplesmente não
reconhecer seu corpo como ele era, resultando em abalos emocionais.
A vida,
exaltada e valorizada no âmbito jurídico, poderia justamente ser encerrada por
causa das falhas dele, no caso de um suicídio, por exemplo, tão comuns em
pessoas na mesma situação da parte-autora – alguns dados revelam que 40% dos
transexuais já pensaram em cometer suicídio em alguma parte da vida, grande
parte por motivo da repressão de uma sociedade conservadora persistente até
hoje, encaminhada, como já dito, por interesses específicos.
É importante
dizer que, no caso supracitado, o direito passou para uma ótica da
racionalidade material, graças a hermenêutica do juiz, muito importante para
que essa ciência social aplicada se torne cada vez menos engessada e não
condizente com a realidade. Não é uma mudança fácil, já que não são todos os
operadores do direito que irão interpretar as leis dessa maneira. O juiz de Jales foi amplamente favorável aos
pedidos feitos pela parte-requerente, contribuindo ainda mais para a criação de
uma jurisprudência pautada pela realidade social, que está em rápida e
constante mudança. Infelizmente, nem sempre teremos exemplos tão bem-sucedidos,
mas se espera que o número de casos promissores só cresça, enquanto não
tivermos algo mais sério nesse sentido, já que, afinal, todos nós temos direito
à identidade, derivado da liberdade, igualdade, privacidade, intimidade e
dignidade da pessoa humana, que devem ser garantidos e são fundamentais para
qualquer existência, independentemente de qualquer fato.
Arthur Augusto Zangrandi
1º ano Direito noturno
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