Elegia 1938
Trabalhas sem alegria para um mundo
caduco,
onde as formas e as ações não encerram
nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos
universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro,
fome e desejo sexual.
Heróis enchem os parques da cidade em
que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o
sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas
de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras
bibliotecas.
Amas a noite pelo poder de aniquilamento
que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te
dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a
existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de
indecifráveis palmeiras.
Caminhas entre mortos e com eles
conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios
do espírito.
A literatura estragou tuas melhores
horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo
tempo de semear.
Coração orgulhoso, tens pressa de
confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade
coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego
e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a
ilha de Manhattan.
Elegia 1938
(Poema da obra Sentimento do mundo), de Carlos Drummond de Andrade.
Como
afirma Drummond, os indivíduos vítimas da dialética do capitalismo, que produz
em seus polos acumulação de riquezas e de misérias, ao mesmo tempo, veem-se
pequenos, insignificantes fronte à Grande Máquina. Segundo, ainda discutido
pelo filósofo Karl Marx, os homens fazem sua própria história, mas não do jeito
que desejam, não a fazem sob circunstancia de sua escolha e sim sob aquelas
legadas pelo passado. Isso demonstra que o homem é o maior construtor desse
mundo, para o qual trabalha e, em consequência indireta, sente calor, frio,
falta de dinheiro, fome e desejo sexual, o que denota sua incoerência, pois se
ocupa com trabalhos que nada lhe oferece mas, ao contrário, lhe privam de
verdadeiramente viver.
Não
obstante, a sociedade descrita por Drummond muito se assemelha à sociedade
contemporânea, a impotência é explícita e inevitável: Amas a noite pelo poder
de aniquilamento que encerra — única forma de fuga da realidade, dormindo, os
problemas desaparecem. Porém, o subterfúgio é efêmero, dado que, ao despertar,
tudo volta ao que era antes: a Grande Máquina, é real, posto que invisível, impalpável,
o que dificulta uma possível luta contra ela. O ser humano, pequenino, se
confronta com o sistema, grandioso. É a insignificância do homem, ante esse
mundo, que, na verdade, sobressai.
Vale
ainda ressaltar que contrariamente ao que diz o filosofo Engels, que o
socialismo, é um percurso incontornável da história, um produto da luta de
classe entre a burguesia e o proletariado, o que vê-se hoje, é a aceitação do
homem da classe oprimida devido a sua impotência fronte ao grande sistema do
capital, bastou-se infelizmente em conformar-se, adiar para outro século a
felicidade coletiva, aceitar a chuva, contra a qual nada se pode fazer, a
guerra, o desemprego e a injusta distribuição, (contra as quais muito se
poderia e pode fazer, mas se...), pois não é possível, sozinho, dinamitar a
ilha de Manhattan, símbolo, no passado e mesmo agora, do sistema capitalista. O
homem aceitou que resta, portanto, a revolta contida, a incapacidade, a
frustração.
Heloisa
C. Leonel
1º
ano Direito Diurno
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