No ano de 2012 foi
julgado, pelo Supremo Tribunal Federal, um pedido de inconstitucionalidade da
interpretação dos artigos 124, 126 e 128 do Código Penal, que enquadraria como
crime a prática do aborto nos casos em que o feto é diagnosticado com
anencefalia. Iniciou-se um intenso debate enquanto ao tema na corte, com os
ministros dando seus pontos de vista a respeito do tema.
Destarte, vários grupos
religiosos tentavam utilizar conceitos e pregações de suas crenças como
argumento para criminalizar tal prática. Um importante sociólogo francês,
Pierre Bordieu, conceitua o Direito como uma relação positiva da ciência,
aliada a uma lógica normativa da moral. A interferência de grupos e argumentos
de viés exclusivamente religioso em meio a um tema jurídico seria uma ruptura
da própria dinâmica do Direito, já que são argumentações que não apresentam uma
lógica científica por trás.
Ademais, o ministro
relator do caso, Marco Aurélio, conceituou dentro do seu voto que não se pode
colocar a argumentação desses grupos como inválida, pois o debate deve dar voz
a todos, mas os argumentos destes grupos devem estar baseados em motivações
públicas cuja adesão não dependa exclusivamente de uma ótica advinda de uma
vertente religiosa especifica. Seria uma extrapolação do espaço do possível do
campo religioso, já que não cabe-lhe a interferência indevida no campo
jurídico.
Dentro de outro
importante conceito de Bordieu, o da historicidade da norma, cabe encaixar uma
situação nova e adversa dentro de uma norma preexistente através de um
processo de analogia para o preenchimento de uma eventual lacuna. Aplicando este
conceito dentro da situação supracitada, embora o aborto de fetos anencéfalos
não esteja previsto no ordenamento jurídico brasileiro, é possível encaixá-lo
dentro de outras normas que liberam a prática do aborto.
Levando em conta
a conjuntura degradante em que a mulher encontra-se, uma visão mais ampla dos
princípios do direito nacional e de várias garantias fundamentais presentes na
Constituição Federal, como o da preservação da integridade física, psicológica e
da dignidade da gestante, a manutenção compulsória da gestação iria acarretar
em diversos danos ao seu corpo e ao seu estado emocional, tornando a
antecipação terapêutica do feto anencéfalo como a opção mais plausível e menos dolorosa para a
mãe.
Não cabe ao Estado submeter a mulher a uma situação análoga à tortura, já que é o dever dele e de seus órgãos prezar pelo bem-estar físico e psicológico de seus nacionais e dos estrangeiros residentes no mesmo. Seria uma quebra ainda de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, em que assumiu compromissos de proteger as mulheres de violências e abusos.
João Lucas Albuquerque Vieira
Direito Matutino
Universidade Estadual Paulista - Campus de Franca
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