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quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Uma síntese ao olhar de Bourdeau da ADPF 54

O caso em questão é a ADPF 54, que retrata um pedido da Comissão Nacional dos Trabalhadores da Saúde para a possibilidade da antecipação terapêutica de fetos anencéfalos e de como o pensamento de Pierre Bourdieu se enquadra nesse caso e no direito vinculado ao mesmo. Posteriormente da argumentação favorável pela ADPF e contra, irei expor parte de meu entendimento sobre o tema.
Devido constante embate entre operadores e doutrinadores, os ministros que votaram por acatar a ADPF, em sua maioria se enquadram como doutrinadores, ou seja, no espaço dos possíveis, tentam adentrar ideias novas no campo jurídico, contrariando a visão racionalista, que deve impor a norma na forma dos apelos sociais. Por ser a vida e morte fenômenos pré-jurídicos, não cabe ao campo atuar em sua defesa ou liberdade, sendo assim o campo médico deve ordenar tais fenômenos, ou seja, os anencéfalos não são viáveis. Ainda mantendo esta explanação, devido direito ser a soma da lógica racional ao poder moral, se o poder moral se modificou perante o tempo, logo o direito deve mudar também, lembrando que deve incluir o habitus de cada ministro, sendo a maioria de origem progressista e desvinculados do fundamentalismo religioso, algo que influencia a decisão dos juristas. Além do princípio da universalidade, que supõe a questão de livre-arbítrio de abortar ou não, pois o direito se preocupa com o fato específico, não o que deve ser. O uso da interpretação da lei de acordo com a história é cabível de ação da Suprema Corte no espaço dos possíveis, vendo que muitos doutrinadores, como Gilmar Mendes e Barroso (advogado do caso) e também operadores utilizam seu embasamento no direito comparado (passível de indução do direito brasileiro) e também das ideias que ultrapassam os movimentos sociais, mas já se encontram no campo jurídico em debate.
Contradizendo todos os argumentos já expostos, ao utilizar o direito comparado, o campo jurídico é influenciado por doutrinadores e operadores, como já exposto, que consideram que assim como o código alemão o nascituro deve ter direitos garantidos, logo o campo jurídico brasileiro deve sofrer ação dos outros de outros países também. Assim sendo, o campo jurídico de acordo com o Código Civil deve legislar sobre todos aqueles que possuem respiração, ou seja, se o anencéfalo respira ao nascer, ele é protegido por lei. Pelo princípio da impessoalidade, o juiz deve se eximir de sua opinião e centrar-se no que o direito diz, ou seja, focar-se no Código Penal. Na luta simbólica de doutrinadores e operadores, nesse caso a prevalência das ideias de que o Código Penal já enquadra exclusões no crime de aborto, seria então inviável a procedência da ADPF, por enquadrar a teoria pura do direito como fundamental. O habitus de cada jurista deve ser sim considerado, pois a partir disso se estipula os votos e as considerações sobre o caso. Os juristas também devem se afastar do instrumentalismo que apresentam na corte, pois tal fato despreza o direito como ciência autônoma em parte e de modo a equilibrar tais extremos. Não é papel do judiciário dizer o direito, nem deve ser, seu papel é básica e somente no espaço dos possíveis analisar os fatos apresentados, suas implicações e seus antecedentes.
          Assim, a partir de ambas as exposições, busco uma síntese. Que o legislativo tem o poder de mudar as leis, sendo o único que pode assim fazer, é nítido da teoria de Montesquieu, porém o Supremo não modificou a lei, apenas a partir de uma lacuna da mesma deu uma interpretação sobre a constitucionalidade. O campo jurídico não está isolado, sofre influências de outros, e assim sendo o campo científico e o campo social demonstraram nos amicus curi o sofrimento das mães que desejavam abortar e que a medicina avançou sobre a detecção do problema de anencefalia, logo ao adentrar no espaço dos possíveis seria negligenciar tais fatores por apenas considerar que o Supremo não deve legislar. Como já havia apontado, o legislativo tem o único poder de modificara e criar leis, desde que essas sejam constitucionais e se uma nova lei sobre o tema não e feita desde 1940 (ano de criação do Código Penal), é sim papel do Supremo analisar de forma a colocar a norma na forma, ou seja no período e na sociedade a qual ela acaba sendo vigente. Assim sendo, o papel do Supremo não foi apenas a aceitação da voz da sociedade, nem mesmo uma interpretação pura da lei, foi sim uma ponderação entre o formalismo e o instrumentalismo, para assim conseguir achar o meio termo que Bourdieu defende em sua obra, afastando também a dominância e a violência simbólica no sentido da classe dominante utilizar do Código e da pena para de maneira opressora violar o direito fundamental da liberdade, pela ponderação o direito da mulher sobre o direito de uma concepção de feto que é natimorto, acredito que o campo jurídico deva ser elástico do modo a compreender a permissibilidade da antecipação.

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