O
caso em questão é a ADPF 54, que retrata um pedido da Comissão Nacional dos
Trabalhadores da Saúde para a possibilidade da antecipação terapêutica de fetos
anencéfalos e de como o pensamento de Pierre Bourdieu se enquadra nesse caso e
no direito vinculado ao mesmo. Posteriormente da argumentação favorável pela
ADPF e contra, irei expor parte de meu entendimento sobre o tema.
Devido
constante embate entre operadores e doutrinadores, os ministros que votaram por
acatar a ADPF, em sua maioria se enquadram como doutrinadores, ou seja, no
espaço dos possíveis, tentam adentrar ideias novas no campo jurídico, contrariando
a visão racionalista, que deve impor a norma na forma dos apelos sociais. Por
ser a vida e morte fenômenos pré-jurídicos, não cabe ao campo atuar em sua
defesa ou liberdade, sendo assim o campo médico deve ordenar tais fenômenos, ou
seja, os anencéfalos não são viáveis. Ainda mantendo esta explanação, devido
direito ser a soma da lógica racional ao poder moral, se o poder moral
se modificou perante o tempo, logo o direito deve mudar também, lembrando que
deve incluir o habitus de cada ministro, sendo a maioria de
origem progressista e desvinculados do fundamentalismo religioso, algo que influencia
a decisão dos juristas. Além do princípio da universalidade, que supõe a
questão de livre-arbítrio de abortar ou não, pois o direito se preocupa com o
fato específico, não o que deve ser. O uso da interpretação da lei de acordo
com a história é cabível de ação da Suprema Corte no espaço dos possíveis,
vendo que muitos doutrinadores, como Gilmar Mendes e Barroso (advogado do caso)
e também operadores utilizam seu embasamento no direito comparado (passível de
indução do direito brasileiro) e também das ideias que ultrapassam os
movimentos sociais, mas já se encontram no campo jurídico em debate.
Contradizendo todos os argumentos
já expostos, ao utilizar o direito comparado, o campo jurídico é influenciado
por doutrinadores e operadores, como já exposto, que consideram que assim como
o código alemão o nascituro deve ter direitos garantidos, logo o campo jurídico
brasileiro deve sofrer ação dos outros de outros países também. Assim sendo, o
campo jurídico de acordo com o Código Civil deve legislar sobre todos aqueles
que possuem respiração, ou seja, se o anencéfalo respira ao nascer, ele é
protegido por lei. Pelo princípio da impessoalidade, o juiz deve se eximir de
sua opinião e centrar-se no que o direito diz, ou seja, focar-se no Código Penal.
Na luta simbólica de doutrinadores e operadores, nesse caso a prevalência das
ideias de que o Código Penal já enquadra exclusões no crime de aborto, seria
então inviável a procedência da ADPF, por enquadrar a teoria pura do direito
como fundamental. O habitus de cada jurista deve ser sim considerado, pois a
partir disso se estipula os votos e as considerações sobre o caso. Os juristas
também devem se afastar do instrumentalismo que apresentam na corte, pois tal
fato despreza o direito como ciência autônoma em parte e de modo a equilibrar
tais extremos. Não é papel do judiciário dizer o direito, nem deve ser, seu
papel é básica e somente no espaço dos possíveis analisar os fatos
apresentados, suas implicações e seus antecedentes.
Assim, a partir de
ambas as exposições, busco uma síntese. Que o legislativo tem o poder de mudar
as leis, sendo o único que pode assim fazer, é nítido da teoria de Montesquieu,
porém o Supremo não modificou a lei, apenas a partir de uma lacuna da mesma deu
uma interpretação sobre a constitucionalidade. O campo jurídico não está
isolado, sofre influências de outros, e assim sendo o campo científico e o
campo social demonstraram nos amicus curi o sofrimento das mães que
desejavam abortar e que a medicina avançou sobre a detecção do problema de
anencefalia, logo ao adentrar no espaço dos possíveis seria negligenciar tais
fatores por apenas considerar que o Supremo não deve legislar. Como já havia
apontado, o legislativo tem o único poder de modificara e criar leis, desde que
essas sejam constitucionais e se uma nova lei sobre o tema não e feita desde
1940 (ano de criação do Código Penal), é sim papel do Supremo analisar de forma
a colocar a norma na forma, ou seja no período e na sociedade a qual ela acaba
sendo vigente. Assim sendo, o papel do Supremo não foi apenas a aceitação da
voz da sociedade, nem mesmo uma interpretação pura da lei, foi sim uma
ponderação entre o formalismo e o instrumentalismo, para assim conseguir achar o
meio termo que Bourdieu defende em sua obra, afastando também a dominância e a
violência simbólica no sentido da classe dominante utilizar do Código e da pena
para de maneira opressora violar o direito fundamental da liberdade, pela
ponderação o direito da mulher sobre o direito de uma concepção de feto que é
natimorto, acredito que o campo jurídico deva ser elástico do modo a
compreender a permissibilidade da antecipação.
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