É
mais um dia comum na vida do indivíduo ordinário. O sujeito se
levanta pontualmente às 6h30, em dejavu enxerga o dia que terá pela
frente: o trabalho, o trânsito, as refeições, o sono, turbilhões
sentimentais…escolhas. Nos momentos infinitos que levam para a água
do chuveiro passar de fria à morna põe-se a imaginar: “Quantas
pessoas no mundo estão acordando agora? Quantas se encontram feridas
pela rotina? Quantas, apesar das diferenças, acabam por ter
semelhanças comigo, afunilando todas as vidas podemos chegar a um
ponto comum? Fizemos escolhas comuns? Por que?”….. A água diluiu
suas reflexões amanhecidas.
7h15.
O sistema não para. Pela garantia da vida digna, o mundo se desdobra
no trabalho. O caos do trânsito, nada mais, nada menos, do que um
pedaço do caleidoscópio de escolhas feitas pelos indivíduos
ordinários. “Todos aqui, escolheram trabalhar, viver em sociedade,
desejam conforto, ter uma vida que complete álbuns de fotos.
Escolheram? O quanto essas escolhas foram “naturais”, o quanto o
coletivo não inferiu seu carimbo por entre as realidades alheias…”
7h45.
Ainda trânsito. Havia um outdoor naquela avenida, curiosamente
anunciava um combo: livro + curso de metodologia para encontrar seu
lado inovador. Publicidade cheia de clichês atrativos: “venha
participar”, “descubra possibilidades”. “Viver imerso em
autoafirmação”, ele pensava. “É pessimista, mas em meio a
homogeneidade de marcas, modas, felicidade enlatada, obrigação de
alegria, aquele produto do outdoor, venderia com certeza. Os motivos?
Bom, quem não quer descobrir seu lado criativo, sua originalidade,
sua ação solitária. Teoria linda, prática duvidosa. Mesmo nesses
casos, de desejo de romper com o imposto, não somos objetos
influenciados por um outro tipo de contexto? Talvez mais um tipo de
modismo: a vida alternativa, a vida “diferenciada”,
não-globalizada, a vida que não só completará seu álbum de
fotos, mas que renderá elogios por ser “diferente”.”
9H00.
“Não me sinto sujeito, me sinto camundongo de laboratório”. Era
esse o pensamento enquanto estacionava o carro. “Se afinal, a vida
é toda pautada em uma ordem maior, da qual nunca poderemos nos
destacar, sendo sempre sujeitos à interferências, cada escolha do
caleidoscópio de possibilidades nos definindo como mais uma peça do
quebra-cabeça da vivência...”. O bom dia do colega de trabalho
afugentou sua linha de raciocínio. Afinal, a roda da rotina não
para de girar.
Queria
ligar para alguém, ficar 2 horas e meia na linha do telefone
discutindo essas ideias, tentando trabalhar em conjunto para tentar
abrir uma porta de liberdade. Mas não o faria…utópico. Estaria
ali pronto para cumprir seu papel até o fim do expediente. “Quem
sabe outra hora, não é?” Quantos indivíduos ordinários não
estão deixando tudo para a outra hora? Quantos ambientes estão
determinando ações?
11h00.
Hora da pausa. O jornal anunciava o aumento de jovens suicidas no
Japão. “Anomia”, pensou o homem, “quando são oprimidos a
viver conforme o sistema, alienados aos estudos, caso não consigam
suprir as expectativas, sentem a coerção, e pelo suicídio dão fim
a tudo…inclusive ao equilíbrio da sociedade.” Anomia.
Felizmente,
naquele dia, o expediente terminaria mais cedo, o homem ordinário,
sentia-se aliviado, o nó na gravata afrouxaria, teria tempo para
refletir melhor, ou para distrair a cabeça. Durante o caminho de
volta para casa – 16H00 – pensava ainda na matéria sobre o
Japão, pensava no filho, que há alguns dias havia anunciado: Pai,
eu quero ser artista plástico. Lembrou-se da coerção imposta a
ele, pelos familiares, daqueles responsáveis por ditar um “dever
ser” nos sonhos virgens de um garoto de 17 anos. Nem ele, o pai,
havia concordado. “Artista plástico?” ; qualquer outra
profissão, de causa eficiente válida para suprir o capitalismo
seria aceita, mas..artista?
18h00.
O nó na gravata estava frouxíssimo, porém algo pressionava seu eu
interior, o dejavu sendo concretizado a cada volta do ponteiro do
relógio. Atravessou a sala, a cozinha, o corredor...do quarto do
filho, saia uma música cuja letra dizia: "Toda
trilha é andada com a fé de quem crê no ditado de
que o dia insiste em nascer, mas
o dia insiste em nascer, pra
ver deitar o novo".
22h30.
Já dorme o homem ordinário.
Ana Flávia Toller - 1º Direito Diurno - Introdução à Sociologia - Aula 5: Durkheim
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