Com os ideais de liberté, égalité,
fraternité ou la mort da Revolução Francesa do século anterior ainda
marcantemente presentes na vida urbana europeia, o século XIX é, claramente, um
período de alta movimentação política e intensas mudanças sociais. O surgimento
e consolidação do capitalismo industrial por si só já acarretava grandes
alterações no modo de vida da época, com a mecanização da natureza e o
antagonismo de classes. Todas essas transformações evidenciavam a necessidade
de um novo método capaz de compreender a
sociedade em sua totalidade dinâmica.
Em 1830, Auguste Comte propõe seu método em Curso de Filosofia Positiva, onde defende o conhecimento positivo
como cerne dessa nova forma de entender a sociedade. A partir do positivismo comtiano
e buscando também superá-lo em seus
limites, Émile Durkheim estrutura sua visão social em Regras do Método Sociológico, publicado em 1895.
Em sua obra, Durkheim defende que, ao nascer, todos os seres humanos
encontram um mundo posto, onde as
regras sociais e os padrões de comportamento já estão preestabelecidos. E essas
regras e padrões possuem poder coercitivo sobre os indivíduos, moldando suas
condutas de acordo com seus respectivos grupos sociais. Dessa forma, Durkheim
conceitua o tema chave de sua sociologia: o
fato social.
“É fato social toda a
maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma
coerção exterior: ou então ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada,
apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais
que possa ter.”.
(DURKHEIM, 2002 p. 11)
Outra regra fundamental no estudo do fato social diz respeito à relação
de impessoalidade. É imprescindível que se corte os vínculos entre o cientista
e objeto, ou seja, que se considere os
fatos sociais como coisas. Assim, o cientista investiga os fatos sociais
livre de pré-conceitos e valores pessoais.
A descriminalização do aborto, por exemplo, é, há muito tempo, uma
questão polêmica no Brasil. Isso porque, ao contrário do proposto no método
durkheimiano, leva-se muito mais em consideração aspectos religiosos do que
científicos. E o aborto é, sem dúvidas, um fato social. A criminalização não inibe sua realização. Segundo dados
estimados de especialistas, mais de um milhão de abortos clandestinos ocorrem
anualmente no país e cerca de 25% resultam em internamento médico da mulher por
complicações.
A descriminalização do aborto não deve ser julgada por vias pessoais,
porque não depende de opiniões. Como fato social, o ato de abortar deve ser
tratado de forma médica e científica, sendo também entendido como uma questão
de saúde pública e de liberdade da mulher sobre o próprio corpo.
Dessa forma, percebe-se certa contemporaneidade no pensamento de Durkheim.
Se seus ideais tivessem influenciado à Lei brasileira, não teríamos hoje uma
lei falha e carente de revisões, como é a lei que criminaliza o aborto. Teríamos,
ao contrário, leis que estariam devidamente de acordo com a realidade social do
país, não mais servindo apenas para agradar bancadas religiosas e conservadores.
Lívia Armentano Sargi
Direito diurno
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