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sábado, 30 de maio de 2015

Aborto como fato social na legislação brasileira

Com os ideais de liberté, égalité, fraternité ou la mort da Revolução Francesa do século anterior ainda marcantemente presentes na vida urbana europeia, o século XIX é, claramente, um período de alta movimentação política e intensas mudanças sociais. O surgimento e consolidação do capitalismo industrial por si só já acarretava grandes alterações no modo de vida da época, com a mecanização da natureza e o antagonismo de classes. Todas essas transformações evidenciavam a necessidade de um novo método capaz de compreender a sociedade em sua totalidade dinâmica.

Em 1830, Auguste Comte propõe seu método em Curso de Filosofia Positiva, onde defende o conhecimento positivo como cerne dessa nova forma de entender a sociedade. A partir do positivismo comtiano e buscando também superá-lo em seus limites, Émile Durkheim estrutura sua visão social em Regras do Método Sociológico, publicado em 1895.

Em sua obra, Durkheim defende que, ao nascer, todos os seres humanos encontram um mundo posto, onde as regras sociais e os padrões de comportamento já estão preestabelecidos. E essas regras e padrões possuem poder coercitivo sobre os indivíduos, moldando suas condutas de acordo com seus respectivos grupos sociais. Dessa forma, Durkheim conceitua o tema chave de sua sociologia: o fato social.

“É fato social toda a maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior: ou então ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter.”.
(DURKHEIM, 2002 p. 11)

Outra regra fundamental no estudo do fato social diz respeito à relação de impessoalidade. É imprescindível que se corte os vínculos entre o cientista e objeto, ou seja, que se considere os fatos sociais como coisas. Assim, o cientista investiga os fatos sociais livre de pré-conceitos e valores pessoais.

A descriminalização do aborto, por exemplo, é, há muito tempo, uma questão polêmica no Brasil. Isso porque, ao contrário do proposto no método durkheimiano, leva-se muito mais em consideração aspectos religiosos do que científicos. E o aborto é, sem dúvidas, um fato social. A criminalização não inibe sua realização. Segundo dados estimados de especialistas, mais de um milhão de abortos clandestinos ocorrem anualmente no país e cerca de 25% resultam em internamento médico da mulher por complicações.

A descriminalização do aborto não deve ser julgada por vias pessoais, porque não depende de opiniões. Como fato social, o ato de abortar deve ser tratado de forma médica e científica, sendo também entendido como uma questão de saúde pública e de liberdade da mulher sobre o próprio corpo.

Dessa forma, percebe-se certa contemporaneidade no pensamento de Durkheim. Se seus ideais tivessem influenciado à Lei brasileira, não teríamos hoje uma lei falha e carente de revisões, como é a lei que criminaliza o aborto. Teríamos, ao contrário, leis que estariam devidamente de acordo com a realidade social do país, não mais servindo apenas para agradar bancadas religiosas e conservadores. 

Lívia Armentano Sargi 
Direito diurno

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