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sábado, 24 de janeiro de 2015

Podem as cotas raciais serem instrumentos do Direito na emancipação social?

 O Direito no mundo moderno contemporâneo esteve sempre envolto por uma constante busca por emancipação social. Sabemos que desde os primórdios do Estado Liberal, o Direito exerceu este papel de agente regulador dos interesses da classe dominante (burguesia) - que buscou cada vez mais regular e restringir o acesso aos direitos sociais - com os da classe dominada - que lutou constantemente pela emancipação social, e a abertura para uma inclusão real e não apenas formal dos indivíduos dentro da sociedade. Esta dialética entre "Regulação Social" e "Emancipação Social", tuteladas pelo direito, se mostrou evidente durante o século XIX. Mas com o decorrer dos anos, a classe burguesa evoluiu, tomou posições inovadoras, e acabou quebrando todo o processo de busca pela emancipação social, aliando-o como instrumento de regulação social. O conservadorismo ganhou força e tomou as bases da sociedade por inteiro, e impedindo que as classes oprimidas conseguissem progredir socialmente. Para se desenvolver na sociedade moderna, aqueles grupos sociais que por muitos anos foram oprimidos passaram a lutar para conseguir obter acesso à porta de entrada para a inclusão social: a Educação, especialmente a nível superior. Este foi e é um movimento constante em todo o planeta, ou seja, as classes da sociedade que por muitos anos se puseram em posição de oprimidas passam a investir na tentativa de acesso à educação e especialmente as universidades. Estes grupos possuem algumas características comuns: são vítimas de um constante fascismo social, que faz com que estas pessoas vivam em um nível de desigualdade social muito grande. Em uma sociedade ainda marcada pelo valor econômico como preponderante, estas pessoas são vítimas e possuem um baixo poder econômico. No Brasil ainda há um outro fator determinante desta "sociedade civil incivil": a cor da pele. Não podemos ser tendenciosos para dizer que apenas os negros sofrem desigualdades, mas mais de 70% dos pertencentes, ao que Boa Ventura de Sousa Santos denomina "Sociedade civil Incivil", segundo dados do IBGE são negros. 
A partir desta pequena reflexão, e considerando ainda a ideia de uma constante exclusão social (que será explicado em um segundo momento), o sistema jurídico contemporâneo passou a apostar em ações afirmativas para incluir estes indivíduos nas Universidades: as cotas raciais. Muitos são contra e outros tantos a favor, mas o fato é que estas são uma das iniciativas eficazes e através do Direito permitir o acesso à educação de qualidade a uma quantidade significativa de pessoas; é uma verdadeira aposta para permitir a "emancipação social", desde que seja respeitado algumas características essenciais. 
Nossa Constituição Federal possui como princípio norteador a dignidade da pessoa humana, pautada na liberdade, na igualdade e na fraternidade (pilares das dimensões históricas dos Direitos Humanos), dentro do Estado Democrático de Direito. Para conseguir se achegar à liberdade real é preciso garantir o acesso democrático do "poder agir" da liberdade, ou seja, é necessário garantir uma igualdade material, não apenas formal. Considerando todos estes aspectos é imprescindível recordar que nosso país viveu anos de escravidão, trazendo dramáticas consequências sociais, como o preconceito racial, a criação de uma "classe" de oprimidos, sem espaço na sociedade. A ideia das cotas raciais baseia-se basicamente no pressuposto de "reparação social" das feridas geradas pelos longos anos de opressão contra os negros (e também os indígenas que muito sofreram nas mãos do europeu). Aqueles que são contra esta medida, usam como argumento inicial que "as gerações presentes e vindouras não são culpadas, e não devem pagar pelo erro das gerações passadas", mas desconsideram estes que a marca do preconceito ainda é marcante, sendo trazido de gerações passadas. Mesmo sabendo que geneticamente o povo brasileiro possui quase que em 60% da população, genes africanos, não podemos desconsiderar todo o contexto social de anos de discriminação vividos pelos negros. 
Seria falacioso dizer que todo negro faz parte da "sociedade civil incivil", ou da "sociedade civil estranha", afinal existem negros que conseguiram ascender socialmente. Mesmo com alguns negros ocupando posições elevadas sociedade moderna, eles ainda são as maiores vítimas do fascismo social que quer excluir, que quer "doutrinar" a ideia de uma "igualdade formal" como solução para todos os problemas sociais, não conseguindo ter acesso amplo universidade.
 A melhor maneira de aplicar as medidas das cotas, para garantir a emancipação social por um longo período seria associar a questão racial com o aspecto da renda, para impedir que negros com "boas condições" tomem o espaço daqueles que precisam. As cotas, e maneira geral, são medidas jurídicas que fomentam um ambiente acadêmico diferenciado, com indivíduos membros de diversas clivagens sociais, com experiências diferentes, propiciando um ambiente melhor discussão e aprendizagem. Para que as cotas raciais sejam eficazes nas suas ações elas precisam ser promovidas associadas ao fator social, e que também sejam com tempo determinado, impossibilitando a permanência de medidas que "acomodem" a população com o decorrer dos anos, mas que na verdade sejam instrumentos de inclusão jurídica social.

Otávio Augusto Mantovani Silva
1º Direito Diurno

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