Lançado no ano de 2002, o filme abordado na VI Semana de Sexualidade e Gênero da Unesp de Franca, "Madame Satã", de Karim Aïnouz, retrata a vida de João Francisco do Santos, interpretado por Lázaro Ramos, pernambucano negro e homossexual assumido que vivia na região da Lapa, no Rio de Janeiro. Durante as noites boêmias cariocas, exercia o seu papel de transformista e participava de shows noturnos travestido de mulher; a vocação em ser artista era seu desejo desde a juventude. No entanto, como pode-se imaginar da sociedade brasileira naquela época (ainda presente na atual, mesmo de forma abrandada), João sofria ataques e provocações constantes por diversas vezes em decorrência da cor de sua pela e da sua sexualidade, inclusive de autoridades do Estado, tendo procurado defender-se ou mesmo revidar com a ajuda de suas habilidades de luta provenientes da capoeira ou mesmo de armas de fogo - na vida real, suas respostas "intensas" frente às violações sofridas lhe renderam muitos anos de vida dentro de prisões.
A discriminação, com o tempo, passou a ser objeto de atenção, culminando na progressiva criação de leis que punam os responsáveis e previnam a ocorrência de novos casos. Mais recentemente, no dia 13 de junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal deu provimento à Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26, passando a considerar a homofobia como crime, sendo enquadrada na Lei nº 7716/89 (também conhecida por "Lei de Racismo"). Logo, as atitudes praticadas contra João, se realizadas a partir do momento atual, talvez fossem alvo de investigação e de resolução, isso porque o transformista vivia em uma região marginalizada, cujos problemas encontravam-se distantes dos olhos da Lei e do Estado; como afirmado anteriormente, ele não era o tipo de pessoa que simplesmente deixava tudo passar, então as respostas aos atos eram conduzidas com o próprio vigor.
Mesmo que haja a evolução da legislação e dos meios para a consolidação de direitos fundamentais previstos na Constituição, os indivíduos localizados nas bordas da sociedade dificilmente serão atingidos pelo o que foi sacramentado. João Francisco dos Santos, que um passaria um dia a ser chamado de "Madame Satã", era alguém que lutava diariamente contra violações sofridas por ele (especialmente no que se diz à sua sexualidade) e seus mais próximos, aparentando não medir esforços para exercer sua defesa, agindo de acordo com a sua experiência local de vida e "alheio" às forças discriminatórias da Lei.
Eduardo Cortinove Simões Pinto
Direito Matutino - 1º ano
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