Inspirado em uma
personalidade real, o longa Madame Satã, de responsabilidade do diretor Karim Aïnouz (premiado por esse
trabalho com a condecoração máxima de “Melhor Diretor” no Festival de Biarritz) se encaixa no gênero conhecido como drama biográfico, retratando
a história de João Francisco dos Santos antes de sua transmutação na persona de
“Madame Satã”, uma fantasia premiada de Carnaval que trouxe-lhe certo
reconhecimento, relativa fama.
João pode ser considerado
como um exemplo ainda atual daquilo que é considerado como minoria: é negro,
analfabeto e homossexual adepto à arte de travestir-se, que não deve ser
confundida como uma identidade de gênero: era um homem gay, não uma travesti. A
película de 2002 se mostra como uma espécie de “jornada do herói”, na qual
somos apresentados aos fatores que levaram ao nascimento de Madame Satã. João é
apresentado como um homem extremamente complexo: era bom, uma vez que acolheu
uma prostituta e sua filha recém nascida e passou a agir como um provedor para
ambas; mas não deixava de ser mau, sendo hostil e violento para com aqueles que
considerava como sua família. Em um dos diálogos, Laurita pergunta para o
protagonista por que ele age com tanta violência, recebendo a justificativa de
que João sentia uma raiva incontrolável de tudo, uma resposta a todas as
opressões que sofria diariamente.
Após sua primeira prisão, o
personagem volta determinado a mudar de vida, sendo sua primeira apresentação
travestido o primeiro passo para essa metamorfose; ele próprio se diz mais
calmo e feliz depois da apresentação, insistindo para que essas se tornassem
regulares. João é preso novamente, condenado a dez anos de reclusão em regime
fechado devido a um homicídio que cometeu após sofrer um ataque homofóbico. Em
1942, com sua pena cumprida, ele vence uma competição de fantasias de carnaval
com a identidade de Madame Satã.
A ADO nº 26/DF de 2019,
responsável pela criminalização da homofobia, traz a reflexão do que poderia
ter sido a história de João, e de muitos outros Joãos, se essa interpretação
extensiva da lei tivesse sido realizada antes, ou se a história fosse atual. O
agravo no crime de agressão, homicídio (ou seja, violência de forma geral)
contra a população LGBT+ cumpre o papel de legitimar uma luta que data de
muitas décadas atrás, além de atribuir um maior significado àqueles que
pereceram na luta por direitos dessas minorias.
A criminalização da
LGBTfobia, no presente, pode parecer apenas uma medida para pacificar
movimentos; mas a longo prazo, além de preservar vidas da maneira mais óbvia
(buscando combater homicídios), poderemos observar a melhoria na qualidade de
vida e liberdade psicológica, aquela referente ao medo de sofrer preconceitos e
à própria homofobia internalizada, que pouparão vidas e garantirão qualidade de
existência aos membros dessa comunidade.
Julia Parreira Duarte Garcia - Direito Matutino
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